Em show, Titãs celebram o punk anarquista dos anos 1980 em reencontro com SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os Titãs deram início nesta sexta-feira (16) à passagem de sua turnê de reunião por São Paulo. Com a formação clássica junta pela primeira vez há 30 anos, ou desde a saída de Arnaldo Antunes, o grupo desfilou hits para um Allianz Parque lotado. Eles ainda se apresentam no estádio no sábado e domingo, com ingressos esgotados.

Especial pelo reencontro de sete dos oito integrantes da fase áurea dos Titãs -a exceção é Marcelo Fromer, morto em 2001-, o show foi também marcante por ser em São Paulo. Há 40 anos, os então jovens músicos se uniram nesta cidade para dar início à trajetória de uma das maiores bandas da história do rock brasileiro.

Foi uma festa para 50 mil pessoas que destacou os primórdios da banda, uma obra punk, ácida, irônica e com veia política. Essa fatia mais anarquista e roqueira do repertório foi destacada logo de cara, com “Igreja”, “Estado Violência”, “Comida”, “Desordem”, “O Pulso”, “Diversão” e “Cabeça Dinossauro”.

Foi um aceno à energia de inconformismo juvenil que deu o tom de seus primeiros álbuns e colocou os Titãs no panteão do rock nacional. São as músicas com ataques às instituições, da igreja à família e ao estado, críticas à desigualdade social, ao capitalismo e à hipocrisia.

Umas das que melhor representa esse espírito punk é “Eu Não Sei Fazer Música” -“mas faço mesmo assim”-, cantada por um Branco Mello rouco e extasiado. Isso porque ele teve recentemente um câncer na garganta, do qual está recuperado.

O cantor lembrou o caso no palco antes de puxar “Tô Cansado”, para comoção do público. “Estou muito feliz esta noite, com meus velhos e queridos companheiros de uma vida”, disse. “Queria falar para vocês também que estou muito feliz porque passei um momento difícil, fiz uma cirurgia na garganta, tirei um tumor. E hoje estou aqui, curado, me divertindo, falando -e ainda vou cantar para vocês.”

Hoje, nem os Titãs nem seu público são os mesmos. Na casa dos 60 anos, os músicos encontraram uma plateia de cabeças brancas, casais de meia idade e alguns jovens.

Nada incomum para uma turnê dedicada à nostalgia e à celebração da obra clássica do grupo, concentrada nos anos 1980 e começo dos 1990. Ao longo das décadas, os Titãs foram perdendo integrantes, mas continuaram fazendo shows e lançando discos até sua formação mais recente, com três dos oito nomes tradicionais.

Arnaldo Antunes falou sobre a ocasião especial, de cantar na cidade onde a banda começou. Nando Reis comentou que essas canções, depois de décadas, ainda ressoam “às vezes de modo assustador com o que acontece com esse país louco”.

Ele puxou “Nome aos Bois”, música lançada em 1987, no álbum “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, que cita os nomes de ditadores, tiranos e personalidades que a banda desaprova. Nessa pegada punk e anti-autoridade, ele incluiu o ex-presidente Jair Bolsonaro na lista que vai de Hitler a Borba Gato.

Na segunda hora de show, os Titãs puxaram cadeiras e sentaram com violões e instrumentos acústicos. A sessão remeteu ao álbum desplugado que foi sucesso de vendas, recolocou o grupo no mapa no fim dos anos 1990 e consagrou o formato adotado pelas grandes bandas de rock na década seguinte.

Foi um dos momentos que a plateia mais cantou junto, com “Epitáfio”, “Os Cegos do Castelo” e “Pra Dizer Adeus”. Antunes chamou ao palco Alice Fromer, filha de Marcelo, para homenagear o único titã clássico que não estava no palco do Allianz Parque.

Antunes e Alice cantaram juntos “Toda Cor” e “Não Vou me Adaptar”, puxando o coro do estádio. O público também soltou a voz em “Ovelha Negra”, tributo a Rita Lee, outra gigante do rock paulista, morta no mês de maio, homenageada no palco.

Foi uma grande noite para festejar o rock paulista. Liminha -produtor de diversos álbuns clássicos dos Titãs e da música brasileira num geral- tocou o violão que seria de Marcelo Fromer e saudou o público dizendo que Pompeia, bairro onde está localizado o estádio, era o berço do gênero na cidade, de onde saiu parte de sua ex-banda, os Mutantes.

Depois do momento acústico, a plateia parecia mais quente, apesar da temperatura na casa dos 12° na noite desta sexta. Os Titãs puxaram faixas com pé no reggae -“Família”, com Nando Reis, e “Go Back”, com Sérgio Britto-, antes de “É Preciso Saber Viver”, com Paulo Miklos e uma saudação a Erasmo Carlos -outro roqueiro clássico morto recentemente, no fim do ano passado.

A sequência final foi a mais pesada e arrebatadora, com as músicas mais agressivas dos Titãs. Incluiu “Porrada”, “Televisão”, “AA UU”, “Polícia” e “Bichos Escrotos” –estas duas últimas, para delírio da plateia, que chegou a engatar rodinhas de bate-cabeça.

Em “Polícia”, foi possível ver algumas cenas curiosas. Havia militares da segurança assistindo com atenção à música que é uma crítica aberta à violência e ações arbitrárias das forças de segurança do Estado.

Enquanto as rodas de bate-cabeça se formavam, e parte do público se afastava, algumas pessoas chegaram a deixar a plateia aborrecidas. Lá vem a turma da quinta série, diziam os inconformados com a movimentação mais entusiasmada na pista VIP, num desacordo com a energia caótica do repertório dos Titãs nos anos 1980.

Para os fãs de rock, foi um deleite ver de novo Nando Reis fazendo suas linhas de baixo, Arnaldo Antunes pulando e gritando “porrada”, Paulo Miklos com seu canto rasgado, se apresentando como um “bicho escroto”, e Charles Gavin debulhando na bateria. Uma lembrança da força anárquica que fez dos Titãs um marco da música brasileira.

O bis contou com a socialmente consciente “Miséria”, a narrativa “Marvin” e uma apoteótica “Sonífera Ilha”, que botou os 50 mil presentes para balançar. Os integrantes saíram do palco tendo o nome da banda gritado, com uma bandeira LGBTQIA+, em um show de 2h30 que marcou o reencontro dos Titãs mais famosos com a selva de pedra cantada em “Homem Primata”.

LUCAS BRÊDA / Folhapress

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