SÃO PAULO, SP E CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Um obscuro advogado que foi alvo de mandado de prisão durante anos no Brasil está no centro de um embate político entre apoiadores do presidente Lula (PT) e o grupo entusiasta da Operação Lava Jato, hoje capitaneado no Congresso pelo senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e pelo deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR). Moro foi o juiz da Lava Jato, e Deltan, o procurador chefe da força-tarefa.
Rodrigo Tacla Duran, que é réu na operação, afirma que foi extorquido ao negociar acordo de colaboração em Curitiba.
O imbróglio voltou ao noticiário após audiência dele via vídeo em Curitiba, no fim de março, e a decisão do então ministro Ricardo Lewandowski, do STF, de mandar o Ministério Público analisar eventuais provas desses relatos.
INÍCIO DO CASO
O advogado Rodrigo Tacla Duran virou alvo dos investigadores da Lava Jato em 2016, quando foi apontado por delatores como operador financeiro de empreiteiras. Uma quebra de sigilo mostrou que o escritório de advocacia dele recebeu de construtoras R$ 55 milhões (em valores não corrigidos) de 2011 a 2013. Como advogado, atuou para a Odebrecht de 2011 a 2016.
Em 2016, ele teve a prisão decretada pelo então juiz Sergio Moro na 36ª fase da operação e chegou a ficar detido na Espanha. Foi solto posteriormente e, por ter cidadania espanhola, sua extradição ao Brasil foi rejeitada. A ordem de prisão preventiva expedida em Curitiba permaneceu em aberto, e ações penais foram iniciadas contra ele.
Em 2019, veio a público depoimento dado por Tacla Duran a autoridades espanholas, dois anos antes, no qual ele admite ter emprestado contas bancárias de suas empresas na Espanha e em Singapura para movimentar recursos que a Odebrecht mantinha em paraísos fiscais.
A ACUSAÇÃO CONTRA A OPERAÇÃO
Em liberdade na Espanha, Tacla Duran passou a fazer acusações contra as autoridades da Lava Jato.
Reportagem da Folha de S.Paulo em agosto de 2017 revelou relato dele no qual acusava um advogado amigo de Moro, Carlos Zucolotto, de tentar intermediar negociações paralelas de delação com a força-tarefa da Lava Jato. Segundo essa versão, o amigo teria feito um pedido de pagamento de US$ 5 milhões.
O réu também afirmou que a conversa ocorreu por meio do aplicativo de mensagens Wickr, que criptografa e pode ser programado para apagar os registros.
Em uma das mensagens, diz o alvo da Lava Jato, o amigo de Moro falou que conseguiria que “DD” entrasse na negociação, em suposta referência a Deltan Dallagnol.
“Ao serem informados da minha recusa em admitir crimes que não cometera, os procuradores de Curitiba não quiseram mais conversa e encerraram a negociação”, disse ele naquela época.
Já naquele primeiro relato, Tacla Duran sustentava que essas circunstâncias deixavam Moro em uma situação de ficar “impedido de julgar” seu caso.
Mais tarde, o advogado também disse que o escritório de Zucolotto, que tinha sido sócio de Rosângela Moro, mulher do hoje senador, foi formalmente seu prestador de serviço, como correspondente jurídico em Curitiba.
REPERCUSSÃO POLÍTICA
As primeiras declarações de Tacla Duran serviram de munição para críticos da Lava Jato. Por iniciativa de deputados petistas, ele prestou depoimentos por videoconferência no Congresso. Em CPI sobre o frigorífico JBS, em 2017, ele falou por quatro horas.
Disse que havia uma “indústria da delação” na operação, embora tenha dito que não acusava Sergio Moro “de nada”. Afirmou ainda que, nas conversas por aplicativo que manteve, não havia nem como copiar as imagens sem avisar o interlocutor e que, então, tirou fotos das conversas, entregues a uma perícia.
Em 2018, ocorreu um segundo depoimento, também à distância, em comissão da Câmara dos Deputados. Durou outras quatro horas e meia.
A defesa do hoje presidente Lula, em atrito com as autoridades da Lava Jato, arrolou Tacla Duran como testemunha em Curitiba, mas Moro não autorizou a audiência.
REPRESENTAÇÃO DE PETISTAS
Após o primeiro depoimento do advogado no Congresso, foi protocolado junto ao Ministério Público, por deputados petistas, um pedido de investigação acerca das acusações feitas por Tacla Duran.
A PGR (Procuradoria-Geral da República) ouviu o advogado e procuradores da Lava Jato e, em setembro de 2018, decidiu arquivar o procedimento, afirmando que não ficou demonstrado “excesso ou ilegalidade” nos atos praticados.
O documento, assinado pelo então vice-procurador-geral Luciano Mariz Maia, dizia que nada provava a participação de Carlos Zucolotto nas negociações de delação e que as supostas mensagens apresentadas por Tacla Duran “não comprovam quem seria o outro interlocutor”.
No procedimento, procuradores da Lava Jato foram questionados e rechaçaram as alegações de negociação paralela. Contaram que chegaram a enviar por email para o advogado uma proposta prévia de acordo, mas que desistiram de firmar um compromisso de colaboração com ele em maio de 2016.
O pedido de arquivamento não cita a realização de perícias ou de oitiva de Moro.
Após o arquivamento, o caso Tacla Duran voltou à tona em 2020, quando houve nova tentativa de acordo de colaboração dele, desta vez no âmbito da PGR.
Moro, na época, disse estar perplexo e indignado com essa iniciativa e insinuou haver relação com o fato de ter rompido naquela época com o então presidente Jair Bolsonaro (PL). Essa tentativa de acordo de colaboração também não se concretizou.
CASO RETOMADO
Ainda na Espanha, Tacla Duran foi ao Supremo em 2022 para paralisar os processos a que respondia em Curitiba.
Aproveitando um precedente de decisão favorável a Lula, ele pediu ao ministro Ricardo Lewandowski que seus processos fossem travados porque a acusação contava com provas entregues pela Odebrecht que tinham sido consideradas inválidas pela corte.
Lewandowski concordou com a medida em março e suspendeu as ações penais em tramitação em Curitiba contra o advogado. Na sequência, o juiz Eduardo Appio, que havia assumido os processos da Lava Jato no Paraná em fevereiro, decidiu revogar a antiga ordem de prisão decretada contra o réu.
Appio ainda marcou uma audiência, via videoconferência, para ouvir o advogado. Nesse depoimento, no último dia 27, Tacla Duran voltou a falar que foi vítima de extorsão na Lava Jato, ainda que não tenha esclarecido detalhes.
Disse que sofria “bullying processual” do Ministério Público, incluindo por meio de contatos fora dos canais de cooperação formais entre os países. “Tudo isso porque eu não cedi a extorsão”, disse.
Afirmou que o advogado Carlos Zucolotto e uma pessoa chamada Fábio Aguayo foram a ele “vender o escritório de advocacia do Moro”. De modo pouco claro, exibiu na ocasião um áudio que supostamente tratava do tema.
Appio decidiu parar a audiência por entender que, como o caso envolvia autoridades com foro especial, o assunto estava fora de sua atribuição. Ele decidiu enviar o conteúdo ao ministro Lewandowski, que já havia despachado na ação penal de Tacla Duran.
O juiz de Curitiba determinou a inclusão de Tacla Duran no programa federal de proteção a testemunhas, “por conta do grande poderio político e econômico dos envolvidos”.
O Ministério Público Federal criticou logo na sequência o magistrado pela realização da audiência, apontando que ela teria servido apenas para o réu “elucubrar sobre supostas provas que estariam há anos em seu poder”.
Na véspera de se aposentar, no último dia 10, Lewandowski determinou que o procedimento relativo a Tacla Duran deveria tramitar no Supremo, contrariando pedido de Moro para que permanecesse na primeira instância.
O ministro também ordenou que a PGR fizesse análise mais detalhada dos fatos e avaliasse eventual instauração de inquérito. Esses documentos estão sob sigilo.
Segundo Lewandowski, a PGR se manifestou citando “eventual interferência de Sergio Moro no julgamento dos processos envolvendo a Operação Lava Jato -inclusive os processos envolvendo Rodrigo Tacla Duran”, após ele ter deixado a magistratura, em 2018.
MAIS BATE-BOCA
As declarações mais recentes de Tacla Duran reacenderam o antagonismo de petistas e defensores da Lava Jato.
Deputados do PT tentaram convidar o advogado para depoimento na Comissão de Fiscalização Financeira da Câmara. Citaram, em requerimento, entrevista do advogado ao UOL em 2019 na qual ele também fez acusações contra o advogado Marlus Arns, citando suposto vínculo dele com a mulher de Moro, que hoje é deputada federal pela União Brasil-SP.
Na ocasião, Tacla Duran disse que pagou Arns por causa de um “mecanismo de extorsão” e do medo de ser preso, ainda antes da ordem de detenção expedida por Moro. Mencionou que desembolsou US$ 612 mil em uma “primeira parcela”.
No último dia 12, Deltan e opositores de Lula conseguiram barrar a audiência.
“Por que tanto medo do Tacla Duran? Qual é o problema de ouvi-lo? Você pode ter as acusações que quiser, um pode achar que ele é bandido, outro pode achar não sei o quê, mas qual o problema de ouvi-lo?”, disse o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP).
Deltan respondeu: “Não tem nada, além de boato, de acusação leviana, de espuma, que a esquerda busca fazer para encobrir os crimes praticados pelo presidente da República”.
O RETORNO AO BRASIL
O retorno de Tacla Duran ao Brasil após sete anos na Europa e a antiga ordem de prisão contra ele também se tornaram um imbróglio no Judiciário. O juiz Appio revogou o mandato de prisão expedido anos atrás contra o advogado e marcou uma audiência presencial com ele neste mês.
No dia 11 de abril, o juiz de segunda instância Marcelo Malucelli, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, acolheu um pedido do Ministério Público Federal e derrubou a decisão de Appio que permitia o acesso de Tacla Duran às provas da operação, pessoalmente, e também marcava a audiência presencial em Curitiba. O advogado, então, decidiu não voltar ao Brasil.
Na sequência, o corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, pediu explicações a Malucelli no dia 14 para averiguar se o TRF-4 poderia ter atuado no caso, já que o Supremo havia paralisado o processo.
Os vínculos de Malucelli com Moro -o filho do juiz federal é sócio do escritório de advocacia do casal Moro- também foram mencionados no pedido de explicações.
Por fim, na última quinta-feira (20), Malucelli decidiu se afastar dos casos da Lava Jato, incluindo o de Tacla Duran, por razões de “foro íntimo”.
O QUE DIZEM OS CITADOS
O senador Sergio Moro tem negado desde 2017 todas as declarações feitas por Rodrigo Tacla Duran.
Logo após o depoimento do último dia 27, Moro afirmou que o advogado faz acusações falsas, “sem qualquer prova, salvo as que ele mesmo fabricou”.
“Trata-se de uma pessoa que, após inicialmente negar, confessou depois lavar profissionalmente dinheiro para a Odebrecht e teve a prisão preventiva decretada na Lava Jato.”
Deltan Dallagnol, que chefiou a força-tarefa até 2020, diz que houve uma negociação para um acordo de colaboração que não foi concretizado porque o advogado mentiu. “Tentou enganar autoridades inúmeras vezes”, disse o deputado.
Segundo o ex-procurador, o assunto está sendo resgatado para encobrir erros do atual governo, de quem é crítico.
Procurado pela reportagem, Carlos Zucolotto encaminhou uma nota, na qual afirma que se trata de assunto “requentado”, sobre o qual o Ministério Público já determinou arquivamento.
“Uma vez mais, sou surpreendido com a notícia de que o réu confesso Tacla Duran promove acusações contra a minha pessoa. Reitero o que já disse em outro momento: jamais estive com esse sujeito ou mesmo troquei mensagens com ele. Até a data de hoje nunca tive qualquer contato com ele, nem sequer por interposta pessoa.”
Fabio Aguayo disse que prefere se manifestar apenas quanto tiver conhecimento integral das declarações do Tacla Duran.
Marlus Arns se manifestou por meio de nota, afirmando que, em 2016, seu escritório foi contratado por Tacla Duran para prestar serviços no âmbito da Lava Jato e que a relação “durou mais de um ano e consumiu centenas de horas de trabalho”.
Disse que, pela legislação, não está autorizado a discutir qualquer detalhe porque tem “o dever de manter sigilo profissional”.
“Atuo em todo Brasil, na área criminal, com especial ênfase na área de direito penal econômico. São mais de 30 anos sem nenhuma mácula, ação judicial ou procedimento disciplinar perante a OAB ou qualquer outro órgão. A Operação Lava Jato foi apenas uma das dezenas de operações que atuei”, acrescentou.
FELIPE BÄCHTOLD E CATARINA SCORTECCI / Folhapress