A primeira medalha do Brasil no handebol feminino, em uma competição olímpica adulta, veio pelas mãos fortes e habilidosas da ribeirão-pretana Fernanda Caporal, 24 anos. Com a ajuda das companheiras, ela foi artilheira da 24ª edição das Surdolimpíadas com 71 gols em seis jogos, média 11,8 por partida. Na decisão do bronze, no sábado, 14 de maio, o Brasil venceu o Quênia por 24 a 15, com 14 gols de Fernanda. A medalha de ouro ficou com a Dinamarca, que venceu a Turquia por 16 a 15.
Na classificação geral da competição, encerrada dia 15, em Caixas, Rio Grande do Sul, o Brasil ficou em 44º lugar, com seis medalhas de bronze. A campeã foi a Ucrânia, com 62 medalhas de ouro, 38 de prata e 38 de bronze, num total de 138. Em segundo lugar ficaram os Estados Unidos, com 55 pódios (20 ouros, 11 pratas e 24 bronzes). Em terceiro, o Irã, com 14 ouros, 12 pratas e 14 bronzes, num total de 40. Foi a primeira vez que o torneio ocorreu na América Latina.
Fernanda, que liderou o Brasil para conquistar sua primeira medalha na modalidade, teve que vencer muitas outras dificuldades, como a falta de patrocínio e apoio do poder público. Foi com a ajuda de amigas, amigos e familiares que ela e o irmão, Felipe, atleta da seleção brasileira de basquete, que terminou a Surdolimpíada na 7ª posição, conseguiram recursos para custear a passagem e a inscrição. A Confederação Brasileira de Desportos de Surdos recebeu patrocínio apenas para hospedagem e alimentação dos atletas. Fernanda e Felipe tiveram que arrecadar pelo menos R$ 3.500,00 cada um.
Felipe, 31 anos, atua no ramo de Tecnologia da Informação, é casado e tem dois filhos. Ele conta que não é fácil chegar até a seleção e que as dificuldades para quase tudo impõem outra tarefa de gigantes, que é vencer os adversários dentro da modalidade. “Sabemos que eles têm investimentos que possibilitam treinar, se dedicar exclusivamente ao esporte. Essa diferença, que na teoria já é muito relevante, se torna ainda mais visível na prática, quando estamos numa competição desse nível. Os jogadores da Europa, por exemplo, são praticamente profissionais que participam de liga, com estrutura para treinamentos e remunerados”, explica.
Formada em fisioterapia, Fernanda atua na equipe de handebol de Ribeirão, entre atletas ouvintes (sem surdez), explica que alguns países mantêm as seleções em treinamento, com jogadoras juntas o tempo todo. “Elas contam com um apoio muito grande, com treinos táticos, jogadas ensaiadas, trabalho de todo o grupo para colocar um time entrosado em todas as competições. Já o Brasil, pela falta de recursos, não consegue reunir as atletas e assim fica mais difícil pra gente. Mas lutamos muito, nos ajudamos umas às outras dentro de quadra, e estamos muito felizes pela conquista da medalha”, afirma Fernanda.
“MÃOS SANTAS” – Assim como o jogador brasileiro de basquete Oscar, apelidado de “Mão Santa”, que recusou essa menção, explicando que sua mão era treinada, Fernanda reforça que seu talento para jogar, para marcar gols, vem de estudo, de treino, de dedicação. Ela também foi artilheira do Brasil no último Campeonato Mundial para Surdos, com 45 gols. “Eu amo o que faço, tenho o apoio o tempo todo do meu pai, que foi atleta, da minha mãe, das amigas e amigos. Isso dá energia pra gente correr, batalhar, aperfeiçoar nossas capacidades. Vencer é um verbo coletivo. Vencer é uma caminhada que fazemos juntas com muitas pessoas. E tudo que recebo eu divido com minhas companheiras de time, de Ribeirão, da seleção, com todos”, ressalta.
No Brasil existem 10,7 milhões de deficientes auditivos, segundo dados de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).