Um acordo comercial negociado entre a BFSA (Botafogo Futebol SA) e a Trexx Holding Empreendimento, do investidor Adalberto Baptista, dá ao empresário o direito de explorar, gratuitamente e sem repassar um único centavo ao BFC (Botafogo Futebol Clube), os contratos com os bares instalados na Arena Eurobike, bem como toda a venda de alimentos e bebidas dentro do Estádio Santa Cruz.
A reportagem do Grupo Thathi teve acesso exclusivo ao contrato de investimento entre BFSA e Trexx, assinado em 18 de dezembro de 2018 em São Paulo. O que diz esse documento é o tema da primeira reportagem, produzida pelo Portal Thathi, sobre a parceria entre BFC e Trexx. Outros dois textos, que contarão alguns detalhes da parceria, serão publicados nos próximos dias. Nesse texto, por conta da natureza da matéria e da complexidade do tema, optamos por contrariar a premissa jornalística de ouvir os envolvidos no caso, o que faremos em momento breve. Nos limitaremos, nesse texto, a contar o que dizem os documentos.
De acordo com contrato de investimento, as receitas financeiras advindas da exploração dos espaços dos bares Seo Tibério e Hard Rock Café, na Arena Eurobike, além da venda de bebidas e comida em todo o estádio, são exclusivamente da Trexx. A empresa não precisa sequer prestar conta dos valores para o BFC e mesmo para a BFSA.
Pelo acordo original de parceria, a Trexx e o BFC são sócios na BFSA. Pela composição societária, o BFC detém 60% da participação da BFSA, e a Trexx, 40%. Assim, as receitas da BFSA, se houver superávit, serão divididas entre o clube e o investidor. Mas, segundo esse novo contrato, não é o que acontecerá.
No acordo, a BFSA abre mão, em troca de um aporte de R$ 5 milhões teoricamente investidos pela empresa nas obras de construção da Arena, de qualquer receita que viesse a ter na exploração das áreas, transferindo esse direito ao grupo de Adalberto Baptista. Essa informação, que não foi repassada ao Conselho do BFC, nunca foi divulgada por quaisquer dos envolvidos. A parceria vale pelos 99 anos do contrato.
Parceria
A história é complexa e, para que seja compreendida com exatidão, é preciso contar tudo desde o início. A Trexx e o Botafogo chegaram a um acordo, no fim de 2018, para que a Trexx realizasse a modernização do estádio Santa Cruz e passasse a gerir o futebol do Pantera.
Depois de uma consultoria que apurou o valor da marca do Botafogo, avaliada em R$ 20 milhões, foi criada uma empresa responsável por administrar essa marca. Baptista investiria R$ 8 milhões no negócio, passando a ser dono de 40% dessa empresa, e o BFC, dono dos outros R$ 12 milhões, teria 60% das ações desse novo time, o BFSA.
Pelo modelo, a BFSA assumiria todos os custos e receitas do futebol, sendo a responsável por administrar contratos de jogadores, receitas de TV e renda dos jogos, entre outros. O BFC arcaria com custos trabalhistas anteriores à parceria e com obrigações tributárias.
A receita da BFSA, portanto, seria distribuída entre os sócios ao fim do exercício. Se houvesse superávit, BFC ficaria com 60% e o investidor, 40%. A parceria, celebrada como modelo no novo futebol, entretanto, não foi exatamente essa.
Motivos
Criada para ser uma fonte perene de renda, com aluguel de espaço para bares e capacidade para receber shows, a construção da Arena Eurobike seria parte fundamental nesse processo. Aproveitando a estrutura do Estádio Santa Cruz, houve reforma, colocação de cadeiras e construção de infraestrutura. O valor das obras foi orçado em R$ 5 milhões. Esse dinheiro, que o BFC não tinha, seria investido pela Trexx. Integraria o aporte inicial de R$ 8 milhões.
Iniciadas as obras, a Trexx começou a divulgar que houve um sobrepreço no valor das obras. O valor exato nunca foi declarado, mas, entre conselheiros botafoguenses, a versão é que as obras teriam custado entre R$ 15 e R$ 20 milhões. Nenhum documento, entretanto, foi submetido ao Conselho do Botafogo Futebol Clube. A reportagem conversou com aproximadamente 20 conselheiros, na última semana, e todos foram unânimes: ninguém sabe exatamente quanto essas obras custaram. E não houve nenhum controle sobre o valor efetivamente gasto.
Segundo o contrato assinado em São Paulo, os valores extras das obras, que ultrapassassem os R$ 5 milhões previstos na obra, teriam que ser divididos entre BFC e Trexx, os sócios da SA. Sem dinheiro em caixa, o BFC viu-se obrigado, então, a recorrer à Trexx, que investiu o necessário para finalizar as obras. Segundo o contrato, esse aporte, na ocasião, seria de R$ 5 milhões extras para cada um dos sócios. As obras, entretanto, continuaram depois da assinatura, sendo alvo de novos aditivos.
O Conselho do Botafogo Futebol Clube afirma que nunca teve ciência desse contrato, que foi assinado por Gérson Engrácia Garcia, então presidente do BFC e da BFSA, e a Trexx. Também afirma que não houve autorização para que o negócio fosse feito. Gérson Garcia, por outro lado, afirmou ao conselho não havia irregularidade no contrato e que a assinatura foi comunicada aos membros do conselho da SA. Ressalve-se que, no contrato, há ainda a assinatura de Luiz Pereira e Rogério Barizza, que aparecem como testemunhas. De concreto, entretanto, tal negócio nunca passou pelo crivo do Conselho do Botafogo Futebol Clube, que precisaria se manifestar sobre a operação financeira.
Saliente-se ainda que, como cláusula de eventual rescisão contratual, a multa estipulada seria de dez vezes a receita bruta conseguida pela Trexx na exploração anual do espaço. Nem a BFSA nem a Trexx informaram quanto a empresa lucra com os eventos organizados na Arena Eurobike. Estima-se, entretanto, que essa multa possa alcançar a casa dos centenas de milhões de reais. O valor, em caso de distrato, deverá ser pago em 180 dias. Algo que, evidentemente, as combalidas economias do BFC jamais poderiam suportar.
Dessa forma, o destino do Botafogo Futebol Clube depende da continuidade da parceria. Se houver o distrato, o BFC torna-se insolvente no segundo seguinte. E é esse poder que tem estremecido as relações no Estádio Santa Cruz. Com tamanho poder nas mãos, Adalberto Baptista tem se tornado, mais que um parceiro, o homem que de fato manda no Botafogo. E isso tem incomodado muita gente.
Há quem diga que Gérson Engrácia não teria autonomia para assinar o contrato e que conselheiros foram enganados. Há ainda quem critique a falta de fiscalização por parte do próprio Botafogo Futebol Clube. De concreto, existe um movimento que busca acesso a todos os documentos da parceria. Por enquanto, nem o conselho do BFC nem o conselho de administração da BFSA receberam tais documentos. Mas a briga promete continuar forte nos próximos meses. Até o ingresso de uma ação judicial contestando o contrato não é descartado. Essas informações foram confirmadas pelo presidente Dimitri Abreu, em entrevista ao Portal Thathi, e serão divulgadas oportunamente.
Contratos
Nessa época, que foi no fim de 2018, BFC e BFSA oficializaram o acordo de parceria, registrado no 5º Cartório de Notas de Ribeirão Preto. Nele, documento a que a reportagem também teve acesso, o BFC abre mão dos direitos de superfície da Arena para o BFSA. Como compensação, passa a receber R$ 120 mil mensais. Curiosamente, valor que não seria acrescido de correção monetária pelos 99 anos de validade da parceria. Esse contrato foi discutido internamente no BFC, inclusive com a necessária aprovação por parte do Conselho.
Pelo documento, a BFSA passa, portanto, a ser a administradora do espaço da Arena, podendo explorar como quiser. Os recursos advindos dessa administração, portanto, pertencem à BFSA. Como detém 60% da BFSA, o BFC receberia parte desses recursos através de repasses societários.
Não foi, entretanto, o único contrato registrado naquele 18 de dezembro. Um segundo contrato, o que abordamos no início desse texto, denominado Contrato de Investidores, foi assinado em São Paulo (ou ao menos assim rezava em sua assinatura). Especie de contrato adesivo ao principal, registrado em Ribeirão, o de investidores foi celebrado entre o BFSA, representado no ato pelo seu presidente, Gerson Engrácia Garcia, também presidente da BFSA, e a Trexx, de Adalberto Baptista.
Nesse documento, que não teve qualquer aval do Conselho, afirma-se que, em troca de um aporte de R$ 5 milhões, a serem utilizados para as obras da Arena, a Trexx “o direito de utilização e/ou exploração comercial de parte da Área de Exploração (…) podendo desenvolver as atividades por ela livremente definidas, por si ou por terceiros, independente da anuência, ciência ou concordância da Botafogo Futebol SA ou da BFC, bem como ser única e exclusiva responsável pela comercialização de alimentos e bebidas na área Superfície”. A frase, literal, está no contrato.
Juridicamente, não há dúvidas do negócio que foi celebrado. O contrato é explícito. “As Áreas de Exploração serão cedidas gratuitamente pelo Botafogo SA em favor da Trexx pelo mesmo prazo previsto para a Superfície”, reza o documento.
Com isso, as receitas de exploração da área de superfície entram diretamente para a Trexx, e não para a BFSA. Assim, o BFC, que teria direito a 60% dessas receitas, acaba sem um centavo. Essa é, até o momento, a situação da parceria entre BFSA e BFC – isso se novos documentos e contratos obscuros não vierem à tona nos próximos dias.
Essa foi a primeira matéria da série de textos que será publicado pelo portal Thathi. No próximo texto, traremos a repercussão dessa informação e a posição oficial dos envolvidos no caso.
Atualização
Confira aqui as declarações da empresa Botafogo Futebol SA.
Confira aqui a resposta do Grupo Thathi de Comunicação