Pioneira em pautar o empreendedorismo da população negra no Brasil, a Feira Preta completa 20 anos com um grande evento virtual que terá o Facebook como co-organizador. Até 10 de dezembro, o público poderá acompanhar shows, workshops, espetáculos, intervenções artísticas e palestras pela rede social e também no Instagram, além da tradicional venda de produtos pelo marketplace oficial, lançado em maio, e nas plataformas dos parceiros.
Outras grandes empresas são parceiras da edição deste ano, como Mercado Livre, iFood e Instituto C&A, o que mostra o potencial do festival de empreendedorismo negro ao longo do tempo. O tema deste ano é “Existe um futuro preto e ele não se constrói sozinho”, fazendo alusão a todo o movimento de apoio por parte de pessoas e instituições privadas e públicas.
“A gente está fazendo da maneira que gosto, que é compartilhar, ter governança compartilhada com institutos de pesquisa, empresas, veículos de comunicação. É um festival robusto, com muita gente preta envolvida no roteiro, maquiador, artistas. É uma situação monetária grande em torno do festival com perspectiva de geração de renda”, celebra Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta.
Nessas duas décadas, mais de 200 mil pessoas, 3 mil artistas e 1,8 mil empreendedores já passaram pelo evento, que movimentou mais de R$ 6,5 milhões com a venda de produtos e serviços de afroempreendedores. Shows de Emicida, Péricles, Liniker e Afrocidade, por exemplo, estão confirmados.
Parceria vai acelerar empreendedoras negras
A cooperação do Facebook se estende com a PretaHub, aceleradora e incubadora de empreendedorismo negro também liderada por Adriana Barbosa. Juntos, eles abrem as inscrições, nesta quinta-feira, 18, a partir das 14h, para a Aceleração de Negócios de Empreendedoras Negras, que vai selecionar 5o empresas que atuam em regiões periféricas ou comunidades de baixa renda em todo o País.
As escolhidas terão acesso a capacitação, consultorias, mentoria, serviços e produtos customizados de acordo com a demanda de cada negócio, além de um investimento de R$ 32 mil em cada uma. Os assuntos abordados envolvem controle administrativo e financeiro, ferramentas tecnológicas para automatização de processos, comunicação e marketing e uma trilha de conteúdo sobre finanças. O programa tem duração de seis meses e as inscrições vão até 19 de janeiro (clique para se inscrever). O resultado será divulgado em 8 de março de 2022.
Para participar do programa de aceleração, as candidatas vão passar por uma banca de avaliação composta pelo Instituto Feira Preta e rede de aliados, e os negócios serão avaliados a partir de critérios pré-estabelecidos disponíveis no edital. A parceria visa um objetivo latente para Adriana: transformar o empreendedorismo por necessidade, de subsistência, em empreendedorismo de oportunidade. Pesquisa do Sebrae mostra que 49% das mulheres negras começam a empreender por necessidade, ante 35% das mulheres brancas.
“A população negra vem empreendendo há muito tempo e, se o Brasil pudesse pensar em políticas públicas, mais estudos e pesquisas, se a iniciativa privada apostar no empreendedor negro como negócio, ele tem muita possibilidade de potencializar o PIB, porque estamos falando de mais de 56% da população e de um grande número de empreendedores negros no País”, diz Adriana Barbosa
Ela traça uma evolução do perfil empreendedor das pessoas negras, que tem como ponto de partida o fim da escravidão. Foi a partir dali que empreender começou a fazer parte dessa comunidade, pela necessidade de sobreviver após anos de opressão, violência e apagamento. Apesar disso, o racismo segue impondo dificuldades e, de acordo com uma pesquisa da Plano CDE em parceria com PretaHub, de 2019, 34% dos 1.220 empreendedores ouvidos (918 negros e 302 brancos) começaram o negócio por necessidade.
“A maioria das pessoas olham pelo lado vulnerável, pela sobrevivência, mas nos últimos anos vem transcendendo do empreendedorismo de necessidade para o empreendedorismo de oportunidade, foi longa história e processo”, completa Adriana. Quem empreende porque precisa também tem pouca percepção sobre a condição de empreendedor, porque não são formalizados, tem equipe pequena e não dispõem de espaço físico para a atividade.
Ainda segundo a pesquisa, 35% dos entrevistados empreendem por vocação, ou seja, tem familiaridade com a atividade e desejo de ser autônomo. Pode também ter passado por sistema de cotas e resolveram criar empresas. Já 22% dos empreendedores são do perfil “engajado” e empreendem para atender o consumidor negro.
“O mais importante é eles se reconhecerem como empreendedores. Quando se reconhecem, podem acessar o ecossistema de crédito, cultura, educação empreendedora, todos os mecanismos que têm para fortalecer esses negócios e dar guinada importante”, ela destaca. Esse processo, no entanto, é desafiador e tem como barreira adicional o racismo estrutural que interfere nos negócios.
“Se vou ao banco e a porta trava ou se vou fazer uma transferência e ficam meia hora para saber se sou a dona da conta é desafio diário para mim. Superar isso diariamente é cansativo, muito desgastante. A gente depende desse ambiente e é difícil para o empreendedor. Muitas coisas contribuem para o avanço ou não do negócio, mas com pessoa negra, a questão racial acrescenta uma camada a mais”, relata a empresária.
Para lidar com os desafios, Adriana indica, primeiro, investir na questão subjetiva de fortalecer a musculatura emocional, o que ela faz com terapia. Apostar no desenvolvimento pessoal, autoconhecimento, reconhecer as próprias limitações, competências e habilidades é fundamental para ter essa saúde emocional, diz.
O segundo ponto é investir continuamente em educação, por mais que o negócio esteja dando certo. Conhecer bem os clientes, saber onde eles estão e quais são as novidades do mercado em que atua são estratégias importantes para o crescimento da empresa. Por fim, o medo de dar o próximo passo sempre vai existir, mas não pode paralisar.
“Se tiver de recalcular a rota, faça isso quando for necessário. Errar, fracassar vai fazer parte da vida de um empreendedor, eu já tive vários erros, fracassei algumas vezes. Não é bolinho, o empreendedor é o primeiro que levanta e último que dorme, pensa em como comunicar, liderar e se você ainda acrescenta a dimensão do medo, você paralisa por não querer errar.”
Dicas para as oportunidades
Com 20 anos de experiência empreendedora, Adriana Barbosa diz que, atualmente, existe mais possibilidade de os pequenos negócios se destacarem junto a grandes corporações. As discussões sobre diversidade e inclusão têm facilitado essa aproximação, uma vez que as companhias se mostram mais abertas a culturas diversas. Isso permite parcerias e consolidação de negócios, em que o pequeno fornece para o grande.
Por isso, ela considera importante olhar para as empresas que têm esse apelo. “Você tem oportunidade de propor parceria, serviço. É o que a Feira Preta tem feito nos últimos três anos, de sentar com marca e propor.” Na hora de apresentar a proposta, é fundamental estar munido de informações e ter uma boa história, autêntica, para contar.
“Eu demorei para entender que precisava me dedicar para a parte visual, então aprendi com mentoras a fazer uma boa apresentação, com objetivos claros, sucintos. (É importante) ter embasamento, números, precisa produzir pesquisa, dados. Também ter bons profissionais no entorno e dar chance a outros para se completarem, fazer parceria, entender o que cada um pode fazer com qualidade”, orienta a empreendedora.
Para isso, nem sempre é preciso fazer investimento financeiro. Principalmente aos empreendedores que estão iniciando a jornada, geralmente sozinhos, fazer trocas é um caminho possível. A pessoa pode oferecer algum serviço em troca da elaboração de uma planilha, por exemplo. “É preciso reconhecer seus limites, o que você faz bem e o que não faz.”
Serviço
Festival Feira Preta 2021
Data: de 20/11 a 10/12
Formato: online – via redes sociais da Feira Preta – @feirapretaoficial
Ingressos: Gratuito
Programação: festivalfeirapreta.com.br
Agência Estado