BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse nesta terça-feira (2) que emitiu medida cautelar que obriga o Google a informar se tratar de uma publicidade o link que estava em sua página inicial com os dizeres “O PL das fake news pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”. O link foi retirado do ar minutos após o anúncio de Dino.
Além disso, segundo aponta o governo federal, o Google deve fazer uma contrapropaganda mostrando os benefícios do PL das Fake News, em tramitação na Câmara dos Deputados.
A medida cautelar é para cumprimento imediato. A informação foi divulgada em entrevista coletiva.
“Em virtude do caráter da publicidade enganosa e abusiva praticada, ante a proximidade da data da votação da proposição legislativa, impondo extrema dificuldade à recomposição da harmonia e neutralidade das redes o descumprimento da medida cautelar importará na incidência de multa de R$ 1 milhão por hora, a partir da notificação da presente medida”, diz a medida cautelar.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o Google lançou uma ofensiva contra o PL 2630, o projeto de lei que regula a internet, mostram emails, prints e relatos obtidos pela reportagem.
Levantamento do NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sugere que a empresa tem privilegiado nos resultados de buscas sobre o projeto de lei conteúdo contrário a sua aprovação. Também tem publicado alertas no YouTube sobre “impacto negativo” para os criadores e enviado mensagens a youtubers a respeito.
À Folha de S.Paulo, nesta segunda, o Google negou que esteja privilegiando links contra o PL em seu buscador e afirmou que seus sistemas de ranqueamento se aplicam para todas as páginas da web, incluindo aquelas que administra.
A empresa, também nesta segunda-feira, fixou logo abaixo da caixa de busca em seu site um link com os dizeres: “O PL das fake news pode piorar sua internet”. O link, agora retirado, direcionava para um post do blog do Google com inúmeras críticas ao projeto.
Um dia antes, a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, havia antecipado a iniciativa do governo sobre o Google.
Em nota, o Google comparou o link com os dizeres “O PL das fake news pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil” com a campanha de vacinação contra a Covid-19.
“Reforçamos este posicionamento no blog oficial do Google e na página inicial da Busca, por meio de uma mensagem com link sobre o PL 2630. São recursos que já utilizamos em diversas ocasiões, incluindo para estimular a vacinação durante a pandemia e o voto informado nas eleições”, disse.
Segundo o Google, o projeto de lei e seus impactos devem ser debatidos de forma mais ampla com toda sociedade. Dessa forma, a empresa diz acreditar ser importante o adiamento da votação para que o texto seja aprimorado.
“Apoiamos discussões sobre medidas para combater o fenômeno da desinformação. Todos os brasileiros têm o direito de fazer parte dessa conversa e, por isso, estamos empenhados em comunicar as nossas preocupações sobre o Projeto de Lei 2630 de forma pública e transparente. Destacamos essas preocupações em campanhas de marketing em mídia tradicional e digital, incluindo em nossas plataformas.”
O Google disse ainda que nunca alterou manualmente as listas de resultados para favorecer a posição de uma página de web específica. E também não ampliou o alcance de páginas com conteúdos contrários ao PL 2630 na Busca, em detrimento de outras com conteúdos favoráveis.
Já o Spotify afirmou, também em nota, que pelos termos e condições de publicidade do Spotify, não aceita anúncios políticos na plataforma no Brasil. “Um anúncio de terceiros foi veiculado por engano e removido assim que o erro foi detectado.”
Na entrevista desta terça, Dino afirmou que a conduta das plataformas digitais, antes marcada por diálogo, incluindo o episódio relativo à violência nas escolas, foi de “boa convivência”, em que a maioria colaborou. Entretanto, com a iminente votação da PL das Fake News, a postura mudou.
“Houve uma atitude arrogante e isso determinou essa medida cautelar. O que mudou não foi a disposição do governo, o que mudou foi o comportamento das empresas que poderiam se dirigir ao Congresso Nacional livremente e resolveram manipular seu próprio funcionamento, que tudo indica para impor uma visão derivada do fato que a imensa maioria defende a regulação democrática”, desse.
Dino ressaltou que a regulação das redes sociais está sendo acompanhada pelo governo há tempos. Inicialmente, a ideia era mandar um pacote para o Congresso, mas houve a orientação de respeitar o debate da Câmara que já estava em curso.
O governo tem se articulado no Congresso e enviando sugestões ao texto. Para ele, é importante essa regulação para evitar um “faroeste cibernético” em que há mortes de adolescentes, crianças, mulheres causadas por conteúdos que estão nas redes sociais.
O secretário da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), Wadih Damous, disse que a Meta e o Spotify também devem ser responsabilizados. Esse último veiculou matérias do Google na plataforma, violando, segundo o secretário, termo de uso que proíbe publicidade política.
“O que essas plataformas estão fazendo é colocar uma verdade única, absoluta em face de sua opinião acerca do projeto de lei. Nós sabemos que há opiniões contrárias. Há também uma outra verdade, isso não está aparecendo e é inconstitucional, é ilegal”, disse.
Sobre o tema, o Ministério Público Federal em São Paulo expediu ofício nesta segunda-feira cobrando explicações do Google sobre ofensiva da plataforma contra o PL das Fake News.
A votação do PL das Fake News na Câmara dos Deputados, prevista para esta terça-feira (2), pode ser adiada diante das chances de o texto ser rejeitado pelo plenário. Caso aprovado na Câmara, o texto voltará ao Senado, que havia aprovado o texto original em 2020.
Nesta terça, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conversará com os líderes dos partidos para tomar uma decisão. O relator do texto, Orlando Silva (PC do B-SP), também deve se reunir com seus pares.
O projeto, entre outros pontos, traz uma série de obrigações aos prove dores de redes sociais e aplicativos de mensagem, como a moderação de conteúdo. Após os ataques de 8 de janeiro, o governo Lula elaborou proposta que obriga as redes a removerem material que incitem golpe de Estado e encaminhou para o deputado Orlando Silva, relator do projeto.
O Marco Civil da Internet, em vigor desde 2014, isenta as plataformas de responsabilidade por danos gerados por conteúdo de terceiros. O projeto em discussão abre mais uma exceção a essas regras.
RAQUEL LOPES / Folhapress