Grupos com interesse na piaçaba dos yanomamis se organizam para explorar a fibra

BARCELOS, AM (FOLHAPRESS) – Diante do vazio de representatividade dos yanomamis na região do médio rio Negro e do desmonte da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) nos últimos cinco anos, organizações passaram a se movimentar para atuar em nome dos indígenas e acessar a piaçaba extraída dentro e fora do território demarcado no lado do Amazonas.

Esses grupos surgiram, se fortaleceram ou passaram a agir a partir de 2021, diante do esvaziamento da presença da Funai em Barcelos (AM), a cidade mais próxima das comunidades que giram em torno de piaçabais, nos afluentes do rio Negro. Barcelos também é o destino de centenas de yanomamis que, todos os meses, buscam a cidade para acesso a benefícios como o Bolsa Família.

Uma cooperativa liderada por um patrão, e que diz representar os trabalhadores da extração da piaçaba, inclusive yanomamis, enviou barcos com mantimentos para os rios Padauiri e Aracá, afluentes do rio Negro, até as proximidades da terra yanomami, com objetivo de intermediação na compra da piaçaba.

A informação sobre o envio das embarcações é do próprio presidente da Coopiaçamarin (Cooperativa de Piaçabeiros do Alto e Médio Rio Negro), Seder Katz Nara, um patrão que atuou diretamente no sistema de aviamento -patrões fornecem mantimentos e combustível a indígenas e não indígenas que extraem a piaçaba, e o pagamento é feito em fibras, gerando endividamento.

Katz disse à Folha que já não negocia diretamente com os yanomamis. Segundo ele, essa intermediação é feita agora pela cooperativa.

À reportagem, na sede da cooperativa em Barcelos, o presidente da organização afirmou ter comunicado a Funai sobre o envio de cantinas, com mantimentos e combustível, para a região dos rios Padauiri e Aracá.

O técnico indigenista José Ribamar Caldas Filho, que atua como coordenador substituto da unidade da Funai em Barcelos, disse que não houve comunicado ao órgão dessa atuação da cooperativa, nem autorização para isso.

Tanto a Coopiaçamarin quanto a Conafer (Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais) foram avisadas sobre a necessidade de a Funai autorizar essa intermediação das organizações no negócio de extração da piaçaba, segundo o técnico do órgão do governo federal.

A Funai já atuou na negociação da piaçaba extraída por yanomamis e outros indígenas, inclusive com fornecimento de mantimentos, uma forma de evitar a atuação de atravessadores. Em documentos, há referência a ações do tipo até 2011.

Coopiaçamarin e Conafer firmaram uma parceria para atuação no negócio da piaçaba, conforme divulgado na página da confederação na internet em dezembro de 2022.

A Conafer passou a se fazer mais presente em Barcelos, com atuação direta junto aos yanomamis. A entidade, inclusive, financiou a constituição da Associação Xoromawe Indígena, que diz representar yanomamis de dez aldeias nos rios Padauiri, Aracá e Preto. A Xoromawe tem indígenas e não indígenas no comando.

O presidente é Geraldo Yanomami, 51. “A associação é financiada pela Conafer, e tem parceria com ‘Seda'”, afirmou Geraldo. ‘Seda’ é como Seder Katz, da Coopiaçamarin, é conhecido na região.

“Nas aldeias que representamos, há exploração de piaçaba. ‘Seda’ está levando cantinas para dentro das aldeias, com mercadorias. Já colocou uma no Aracá, uma no Padauiri e vai colocar uma no rio Preto no mês que vem”, disse o presidente da Associação Xoromawe. “A cooperativa dele está comprando a piaçaba e fornecendo os alimentos. Ele paga R$ 3,50 no quilo da piaçaba limpa.”

Geraldo afirmou ainda que a associação vai assumir o processo de venda da piaçaba e o repasse dos recursos aos tuxauas (caciques) das aldeias. “Muitas vezes, os parentes são roubados [por patrões da piaçaba]. Os parentes ficam cheios de contas e não levam nada. E os fluxos [em comunidades vizinhas] está aumentando porque aumentaram as necessidades nas aldeias.”

A fibra extraída tem destinos diversos. Vai para fabricação de vassouras em Manaus, em cidades do interior do Amazonas, Pará, Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e até mesmo para Portugal, conforme patrões responsáveis pela compra e venda da piaçaba.

Segundo Katz, os yanomamis representam 30% dos associados à cooperativa -seriam, portanto, cerca de 80 indígenas. Ele admite a existência de endividamento de indígenas no sistema de aviamento para a extração da fibra.

O presidente da Coopiaçamarin disse que o modelo que quer executar envolverá a entrega da produção da piaçaba para a cooperativa; o fornecimento de mantimentos pela organização; o cálculo de saldos dessa troca, com fiscalização da Associação Xoromawe; e o pagamento das diferenças na conta da associação.

“Isso é cultural, os yanomamis vivem da pesca e do extrativismo”, afirmou Katz.

A cooperativa ainda não deu um destino a 28 máquinas de vassoura recebidas do governo do Amazonas, que custeou 80% do valor do maquinário. Katz já produziu vassouras com dez equipamentos. Segundo ele, foi apenas um “teste”.

Coordenador da Conafer em Barcelos e secretário da Associação Xoromawe, Rui Macedo de Moraes disse que a Funai “participa e avaliza” o envio de embarcações com mantimentos para os afluentes do rio Negro. “Nós da Xoromawe ainda não pegamos 1 kg da piaçaba dos yanomamis.”

De acordo com Moraes, a Conafer apoia segmentos distintos, inclusive quilombolas e indígenas. “Existe apoio a mais de 200 povos indígenas.”

No bairro Mariuá, na periferia de Barcelos, dezenas de yanomamis do rio Demini estendem suas redes num imóvel usado como ponto de apoio na cidade, na margem do rio Negro.

Os indígenas vão ao município para o saque de benefícios, e para a compra de produtos como farinha, anzol, lanterna e gasolina. São cinco dias rios abaixo. Depois, sete dias rios acima.

No Demini, não há exploração de piaçaba, segundo os yanomamis com quem a reportagem conversou em Barcelos. Eles extraem cipó, cada vez menos usado em móveis.

Segundo Ezequiel Yanomami, 55, que se organizava para fazer o caminho de volta, representantes da Conafer já estiveram em aldeias no Padauiri, e farão o mesmo no Demini.

Outra presença constante na terra indígena é a de missionários evangélicos da Missão Novas Tribos. Na cidade, missionários ocupam uma casa ao lado do imóvel usado pelos yanomamis. O missionário que estava na casa não quis falar com a reportagem.

A presidente da Asiba (Associação Indígena de Barcelos), Rosilene Menez, diz que a entidade luta por políticas públicas para os indígenas piaçabeiros. “A maioria dos parentes não tem nem documentação.”

A reportagem contou com apoio do Amazon Rainforest Journalism Fund, em parceria com Pulitzer Center

VINICIUS SASSINE E LALO DE ALMEIDA / Folhapress

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