FOLHAPRESS – Não é impossível escutar uma evocação sutil ao choro por trás da faixa título de “Flying Chicken”, álbum que Hamilton de Holanda acaba de lançar pela gravadora Sony Music. Há algo no fraseado que poderia remeter aos velhos (ou novos) mestres do gênero, mas nada na superfície da composição confirmaria essa tese -uma levada pop-rockeira, uma textura e os improvisos de jazz fusion e, reinando absoluto, o virtuosismo ígneo e nervoso do bandolim de Hamilton.
A improvisação jazzística sobre temas em geral curtos -todos autorais- é a tônica das oito faixas deste “frango voador” do músico carioca.
Se, por um lado, a linguagem do bandolim chorão sempre flertou com o virtuosismo, a improvisação brasileira manteve-se, por longo tempo, guardando distância segura do jazz. Um virtuose como Danilo Brito, por exemplo, ainda hoje carrega de modernidade a linguagem tradicional, mas sem transcendê-la — veja, por exemplo, o sensacional CD “Esquina de São Paulo”, em duo com o violonista João Luiz.
Esse não é o caso de Hamilton de Holanda. Com mais de 40 álbuns lançados, sua busca é, hoje, por uma criação que simplesmente abra novos espaços para a sua sonoridade quente e ágil, e a prática jazzística parece oferecer mais recursos para isso.
“Flying Chicken” é um disco de trio, cuja ambiência é estabelecida pela bateria espetacular de Big Rabello. Completa o grupo o jovem paraibano Salomão Soares, cujos teclados ocupam simultaneamente as funções de pianista-tecladista e de baixista.
O fato de haver a função do baixo mas não um baixista não é, neste caso, uma perda. Não é necessário mais do que um leve amálgama do teclado com a bateria para deixar os solistas livres.
Solistas, no plural, pois o próprio Salomão improvisa muito bem, além de utilizar amplo arsenal de timbres. Entre as sonoridades está o minimoog, sintetizador analógico amplamente utilizado nas gravações da década de 1970.
“Sol e Luz” tem um clima mineiro-clube-da-esquina, e “Barulhinho de Trem” usa timbres engraçados no teclado -típicos de cartoons e games antigos- para uma harmonia sempre torta e dissonante.
Em “Because of Our Strong Love” o bandolim surge velado sobre o piano elétrico, mas logo chega um longo improviso de Hamilton, seguido por um igualmente belo de Salomão. “Paz no Mundo” é uma faixa solo de bandolim, onde o par grave de cordas em dó, adicionado ao bandolim tradicional de quatro cordas duplas -invenção de Hamilton, hoje seguida por muita gente- o ajuda a harmonizar e enriquecer o tema com esboços de contraponto.
Duas músicas trazem um pouco mais de identidade brasileira ao álbum. A mais explícita é “Erezin”, um samba jazz com traços dos afrossambas de Baden Powell e Vinicius de Moraes, estilo que também toca a faixa final, “O Som Vai Conduzir”, parceria de Hamilton com Xande de Pilares.
A qualidade dos improvisos sobrepõe-se às composições em “Flying Chicken”, que é, assim, um álbum onde o brilho principal está na arte da performance. A palhetada única de Hamilton de Holanda -que os admiradores de Chico Buarque podem identificar na gravação de sua canção mais recente, “Que Tal Um Samba”- invariavelmente deságua nas escalas rapidíssimas, quase flamencas, obsessão de uma geração que cresceu ouvindo o violonista Raphael Rabello.
Mas há uma exceção. Composicionalmente, o destaque do disco é “Endlessly”. Feita por Hamilton e o baixista Michael League, líder da banda fusion americana Snarky Puppy, poderia estar entre as criações de excelência de Pat Metheny ou Ulisses Rocha.
O caráter cíclico, sem fim, da música é um achado que subsiste para além dos improvisos de Hamilton e Salomão -curiosamente, aqui, mais contidos e poéticos, sem precisar abusar de seus recursos técnicos. Mais do que as outras faixas do álbum, é possível imaginar versões de “Endlessly” não amarradas aos múltiplos dedos do bandolinista.
FLYING CHICKEN
Avaliação Muito bom
Onde Nas plataformas digitais
Autoria Hamilton de Holanda
Gravadora Sony Music Entertainment
SIDNEY MOLINA / Folhapress