SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Eu me considero um antropólogo da imaginação”, afirmou Itamar Vieira Junior diante do público de uma das mesas mais abarrotadas da Feira do Livro em São Paulo -que depois se transformou na maior fila de autógrafos, de longe, de todo o evento.
“Meu trabalho de pesquisa também inclui uma etnografia interior, que busca usar a imaginação para restituir uma história que nos foi arrancada de maneira brutal.”
Vieira Junior, escritor best-seller que é colunista da Folha de S.Paulo, atraiu um público que extrapolou em muito a capacidade do auditório em que estava na noite deste sábado na praça Charles Miller -algo que se viu também nas mesas de Patricia Hill Collins e Sueli Carneiro-, ainda mais porque não estava sozinho.
Era uma conversa com Ana Maria Gonçalves, autora de “Um Defeito de Cor”, que o escritor por trás de “Torto Arado” e “Salvar o Fogo” definiu como “o romance mais importante do Brasil no século 21”.
A mesa costurou uma ligação direta entre os livros deles, em trocas de gentilezas que mostraram suas obras como exercícios criativos que compensam a ausência de narrativas negras sufocadas pelo racismo institucional.
“Ler ‘Um Defeito de Cor'”, disse ele, “é saber uma história que não pudemos conhecer da maneira que deveríamos. Meu exercício como escritor é também restituir essas histórias para mim mesmo.”
Os escritores testemunharam que seus personagens são tão vivos que provocam um longo sentimento de luto após a publicação. “O bom é que depois as pessoas leem e vêm trazer notícias deles para mim”, disse Vieira Junior, comovendo a plateia.
Gonçalves afirmou não ser coincidência que seus personagens sejam fortes, movendo a história em vez de se mover por ela. “A história que quero contar está dentro de mim, o que as personagens fazem é me ajudar a contá-la, porque na verdade ela vem da ancestralidade.”
É um conceito de tempo espiralar estabelecido por intelectuais negras como Leda Maria Martins, e Gonçalves diz ter sentido o passado girando em seu entorno conforme escrevia seu ambicioso romance de mil páginas.
Vieira Junior notou ainda, durante a palestra, a ausência de prêmios nacionais para “Um Defeito de Cor” à época de seu lançamento, em 2006, ainda que hoje o livro seja lido como um dos romances centrais da literatura brasileira. A mesa localizou Gonçalves como uma espécie de precursora da grande onda de literatura negra que tomaria as livrarias na década de 2010.
Ele afirmou que a pressão por maior diversidade nos júris fez a situação dos prêmios avançar nos últimos anos, assim como a publicação de autores não brancos por grandes editoras, mas ressaltou que ainda há muito racismo no meio literário.
A Feira do Livro ainda continua até a noite deste domingo em frente ao estádio do Pacaembu, com mesas abertas e gratuitas.
WALTER PORTO / Folhapress