Conta a lenda que qualquer chefe, ao tomar posse em um cargo, leva consigo seus mais fieis colaboradores. Essa premissa é especialmente verdadeira no setor público, onde os cargos comissionados cumprem, além da função que lhes é inerente, o papel de assegurar a quem indica a lealdade daquele que é indicado. Faz parte do jogo, mas, em um dos órgãos da administração pública, a situação está um tanto quanto fora dos padrões já elásticos da prefeitura de Ribeirão Preto. Sem delongas, falamos da Coderp, meus caros, e esta singela coluna irá mostrar os motivos.
La casa de Marine
Antes comandada por Aurílio Caiado, a Coderp acabou caindo no colo da ex-secretária de administração Marine Vasconcellos. E ela vem fazendo bom proveito do espaço que ganhou no governo depois de ficar de fora da administração nas trocas promovidas pelo prefeito Duarte Nogueira (PSDB) depois da reeleição e, como uma espécie de Cristo moderno, ressuscitar no terceiro dia, ou seja, aos 45 minutos do segundo tempo.
Miss treta
Portadora de uma, digamos, relação bem próxima com o prefeito Nogueira durante boa parte do primeiro mandato, a jovem advogada Marine se envolveu em uma série de disputas com outros secretários durante o primeiro governo Nogueira. A maior delas foi a troca de farpas públicas com o secretário da Saúde, Sandro Scarpelini, por conta do entrevero registrado no caso da Farra das Ambulâncias. Na ocasião, Marine chegou a admitir, em depoimento à CPI que investigava o caso na Câmara, que os procedimentos pré-licitatórios adotados por Scarpelini eram irregulares. Causou um climão.
Prêmio de consolação
Dessa forma, a saída dela da secretaria da administração foi vista como natural. Alijada dos principais cargos do segundo governo de Duarte Nogueira, acabou tendo que se contentar com uma indicação para uma diretoria da Cohab. Engoliu a raiva mas, meses depois, no apagar das luzes do primeiro governo Nogueira, em dezembro, veio a redenção involuntária: com a saída de Aurílio da Coderp, chamado para ser secretário da Fazenda de Campinas, ela acabou acomodada pelo prefeito – contra a vontade de muitos secretários – na Coderp. Muitos foram – e ainda são – contra a presença dela.
Comissionados
A Coderp, entretanto, vive em situação falimentar, como mostrou uma série de matérias publicadas pela Thathi. Em 2019, teve prejuízo de mais de R$ 8,2 milhões e, em 2020, cortou funcionários, mandando embora trabalhadores concursados. Como também mostrou a Thathi, a Coderp paga muito acima do preço de mercado, sendo uma verdadeira mãe para seus colaboradores. Lembra, inclusive, um pouco relação quase maternal com que o prefeito Nogueira trata os donos de empresa do consórcio Pró-Urbano, mas isso é tema para outra coluna…
Farra da chefia
Marine, entretanto, parece não estar muito preocupada com a cambaleante situação financeira da empresa. Desde que assumiu, em dezembro de 2020, já nomeou pelo menos 12 assessores diretos de sua confiança em cargos de chefia na Coderp, ampliando a quantidade de cargos desse tipo ocupados na empresa. Criou, por assim dizer, um pequeno feudo dentro da administração municipal.
Personagens
Entre os agraciados com os cargos estão ex-assessores da época da secretaria do Planejamento, um deles umbilicalmente ligado a Edsom Ortega, ex-titular do Planejamento – e até um contestado chefe do setor de Limpeza Urbana da cidade. Tem até ex-assessor direto do prefeito Nogueira que, sem nível superior – a prefeitura agora exige o diploma para nomeação – conseguiu uma vaguinha da Coderp, onde a falta do nível superior não impede a nomeação. E a lista deve crescer, segundo apurado pela reportagem.
Bufunfa
A remuneração do Exército de Marine varia, mas não foge muito da casa dos R$ 8 mil mensais. Significa dizer que a presidente da Coderp gerou uma despesa perto da casa dos R$ 100 mil com as indicações já feitas até o momento. Orçamento, diga-se, superior ao de muitas empresas de tecnologia que atuam no mercado. Ah, e um detalhe. A moral de Marine anda tão alta que conseguiu emplacar, também, uma de suas amigas mais íntimas, de quem foi sócia em um escritório de advocacia, em um vultuso cargo comissionado sob sua supervisão. Não tá fraca!
Apuração
A reportagem do Grupo Thathi prepara uma matéria completa contando todos os detalhes sobre os indicados, a qualificação de cada um – um passarinho contou ao corneta que a Coderp tem sido utilizada para abrigar uma série de assessores sem nível superior e que, por isso, não podem permanecer na prefeitura – e também sobre a atual situação financeira da Coderp. A conferir.
Lockdengo
É tanta repercussão a respeito da matéria sobre um vídeo no qual o prefeito Duarte Nogueira (PSDB) aparece em um ressort, acompanhado de uma morena (parabéns, prefeito!), que prometo aos cornetas uma coluna exclusiva só sobre o assunto. Existe tanta informação e tantas coisas pitorescas sobre o assunto que é preciso uma coluna exclusiva sobre o tema, que será feita assim que nossa senhora do factual, protetora dos jornalistas e portais de notícias, permitir.
Posicionamento
Mas é preciso criticar, de cara, a omissão do prefeito sobre o assunto. Fosse um líder genuíno, deveria ter a dignidade e decência de vir a público e desmentir – ou não – a informação. Isso foi feito, mas apenas na nesta segunda-feira (31), dois dias depois de as imagens serem divulgadas pelo Grupo Thathi e pelas redes sociais. O silêncio durante o fim de semana é inexplicável e mostra ainda mais desprezo com a população que deveria liderar do que a sua saída estratégica para um fim de semana agradável durante o talvez pior momento da pandemia na cidade.
Liderança
Discordo diametralmente das posturas de João Doria (PSDB), a quem considero um governador oportunista e marketeiro. Mas ele ao menos teve a dignidade de, ao ser flagrado em Miami depois de restringir a abertura dos serviços no Estado, se pronunciar sobre o assunto imediatamente. Nogueira não teve a mesma hombridade: só comentou, nesta segunda, ao ser questionado por uma jornalista. Não fosse o caso, nada falaria sobre o assunto.
Honra ao pai
Duarte segue inerte, encastelado e rodeado pelos velhos aspones de sempre, achando-se suserano de uma terra de homens e mulheres de joelhos. Eu, pessoalmente, e os ribeirã-pretanos, no geral, esperávamos um Duarte Nogueira mais parecido, inclusive politicamente, com o pai.