Advogada que defendeu PMs contra Rita Lee era sua fã e enfrentou dilema pessoal

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A advogada Eliza Marques diz não se esquecer da reação da mãe quando contou a ela que representaria policiais militares de Sergipe em uma ofensiva judicial contra a maior estrela do rock brasileiro. “Ela disse: ‘Eu não acredito que você vai pegar dinheiro de Rita Lee'”, relembra a defensora, aos risos.

Durante a sua passagem por um festival na Grande Aracaju, em 2012, a cantora, morta na última segunda-feira (8), se envolveu em uma confusão com os PMs enquanto apresentava aquele que seria o último show de sua carreira. “O que vocês estão procurando, queridos policiais?”, perguntou Rita, após se incomodar por vê-los revistando alguns de seus fãs, supostamente em busca de maconha.

“Este show é a minha despedida do palco e vocês continuam tendo que guardar as pessoas, não tendo que agredir. Seus cachorros. Coitado dos cachorros. Seus cafajestes. Vocês estão fazendo de propósito. Eu sou do tempo da ditadura. Vocês acham que eu tenho medo? As pessoas estão esperando eu cantar, não a gracinha de vocês, seus filhos da puta”, disse ainda. Ao final do show, acabou presa por desacato.

Advogada de uma associação de PMs desde 2009, Eliza representou cerca de dez policiais que estavam em serviço naquele dia e se sentiram ofendidos ou ameaçados pelas palavras proferidas por Rita Lee. Todos eles se saíram vitoriosos e receberam, cada um, R$ 5.000 em indenização por danos morais.

Além deles, outras dezenas de fardados recorreram à Justiça por causa do episódio -notícias da época dão conta de ao menos 35 deles. Nem todos tiveram seus pedidos deferidos, porém.

“Eles ficaram muito indignados. O que mais relatavam eram o uso de palavras como ‘cafajeste'”, afirma Eliza Marques à reportagem. “Além da ofensa pessoal, eles se sentiram agredidos porque estavam no exercício da função. Isso tudo trouxe um abalo.”

De acordo com a advogada, a possibilidade de o público se insurgir gerou ainda mais temor nos policiais, que se encontravam em desvantagem numérica em relação aos fãs. “A força que o artista tem de [dar uma] ordem é muito grande de dentro do palco”, destaca Marques..

Mais do que atuar em um caso de repercussão nacional, no entanto, a advogada se deparou com o desafio de se opor a uma artista de quem era fã. “Tive que separar bem o pessoal do profissional”, afirma. “Compartilhei essa questão com os meus clientes, mas eles disseram: ‘A senhora é uma advogada muito profissional. Não tem problema, não’. Todo mundo entendeu.”

A admiração pela roqueira, conta, foi herdada da mãe. “Eu conheço toda a história de Rita Lee, acho ela uma mulher fantástica, uma artista fervorosa. Hoje estava ouvindo ela enquanto trabalhava.”

Marques venceu todos os casos que representou contra Rita Lee, inclusive um que chegou ao STJ (Superior Tribunal Justiça), mas não chegou a se encontrar pessoalmente com a cantora.

Ela explica que todas as provas foram apresentadas documentalmente e não houve maiores complicações no pagamento das indenizações, o que descartou a necessidade de uma audiência com a artista.

“Os advogados dela não negavam os fatos, só tentavam enquadrar como liberdade de expressão e tornar ilegítimo [o pedido de indenização por danos morais] porque ela não falou o nome de ninguém”, relembra.

Profissionalmente, a advogada de Aracaju diz considerar que o Judiciário agiu de maneira correta ao determinar que a cantora indenizasse os PMs. Como fã, no entanto, afirma que Rita Lee não teria sido ela mesma se não fizesse de seu último show algo memorável.

“Ela tinha que causar no show dela. Não seria ela se não fosse dessa maneira. Não é nem dizer se é juridicamente certo ou errado, mas ela tinha que marcar esse momento, não só pelo fato de ser o show dela, mas por estar [desde sempre] nesse lugar de ser oposição e de se colocar”, finaliza.

MÔNICA BERGAMO / Folhapress

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