SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O artista visual Marcus Deusdedit recebeu uma notificação extrajudicial por violação de direitos autorais após ter feito uma réplica da Poltrona Paulistano, criada pelo renomado arquiteto Paulo Mendes da Rocha e considerada uma das peças mais emblemáticas do design brasileiro.
Intitulado “1 é 4, 3 é 10”, o trabalho estabelece um diálogo entre a cultura periférica e a poltrona de Mendes da Rocha.
Para isso, ele replicou a cadeira e colocou no espaldar um símbolo da Nike, logomarca difundida em roupas e no corte de cabelo de quem mora na periferia. Na parte de trás, ele incluiu a assinatura do arquiteto.
“Esse trabalho pensou em fazer um encontro irônico entre o design nacional e um símbolo que vem de fora do país, mas que está espraiado na periferia. Enquanto isso, peças que fazem parte do mobiliário brasileiro são reconhecidas por uma parcela muito específica da sociedade”, diz Marcus, que classifica sua obra como uma falsificação.
No final de abril, a empresa francesa Objekto -detentora dos direitos da poltrona- mandou um email para Marcus e para a Galeria Asfalto, parceira do artista, pedindo que o trabalho fosse destruído.
“Embora você apresente a cadeira como uma obra de arte, o fato de estar reproduzindo o objeto em série e vendendo constitui crime de falsificação. A Objekto apoia artistas, mas não aceita confusão entre um trabalho de arte e a produção de uma cópia com propósitos comerciais”, diz o email, assinado por Benoit Halbronn, presidente da empresa.
Na mensagem, ele diz estar considerando abrir um boletim de ocorrência na Polícia Federal.
A legislação brasileira afirma que, caso a violação seja comprovada, o autor deve pagar ao detentor dos direitos da peça o lucro das cópias vendidas. Além disso, imagens devem ser apagadas dos meios de comunicação.
O imbróglio em torno da poltrona começou na edição deste ano da SP-Arte, onde as peças foram comercializadas.
Nicolas Dantas, diretor da Galeria Asfalto, diz que Matthieu Halbronn os interpelou durante o evento para dizer que o trabalho não se tratava de uma obra de arte e que não deveria estar no evento. Halbronn é licenciado pela Objekto para comercializar a poltrona no Brasil.
“Ele chegou num tom bem agressivo e cheio de ameaça. Em momento nenhum tentou entender o que era a obra e desvalidou várias vezes o nosso trabalho”, diz Nicolas.
Por meio de uma nota enviada via assessoria, Halbronn nega ter sido agressivo.
O empresário diz que descobriu no estande da Galeria Asfalto na SP-Arte que 24 poltronas haviam sido postas à venda. A galeria, porém, refuta essa informação e sustenta que foram comercializadas duas poltronas. Uma por R$ 5.000 e outra por R$ 5.500.
“A contestação de Matthieu não é sobre o trabalho artístico do Marcus ou sobre liberdade de expressão, e, sim, sobre a indevida comercialização em um evento público de várias peças replicadas, o que fere direitos do licenciado”, diz a nota.
A Objekto também afirma que não tem problemas com criações artísticas, mas que deveriam ter buscado autorização para produzir a peça.
“Respeitamos o trabalho de Marcus Deusdedit e a sua obra, mas não podemos aceitar que ele a reproduza e venda inúmeras vezes, se tratando novamente de poltronas idênticas à original de Paulo Mendes da Rocha.”
O artista idealizou a réplica durante uma residência promovida pela 8ª edição da Bolsa Pampulha, iniciativa da Prefeitura de Belo Horizonte que busca estimular a arte no Brasil. Ao fim do programa, que tem duração de seis meses, seria publicado um catálogo com a produção dos nomes selecionados.
Em razão da disputa em torno da poltrona, a prefeitura suspendeu o lançamento do livro como medida de segurança jurídica.
“É intenção da Fundação Municipal de Cultura dialogar com quem de direito para que a circulação do material possa ocorrer livremente, como meio de difusão cultural”, diz a pasta.
Gustavo von Ha, artista cujo trabalho questiona os conceitos de autoria e falsificação, considera que a peça de Marcus de fato se trata de uma obra de arte.
“Até porque ela é apresentada em cima de um tablado como uma escultura. Mas o aspecto comercial da obra pode, sim, ser contestada pela empresa.”
Em 2012, Von Ha fez uma série em que copiava desenhos originais de Tarsila do Amaral mediante autorização da família da pintora. Ele diz que o trabalho de Marcus é uma forma de apropriação indireta.
“A obra está num lugar muito mais interessante e mais complexo, porque ele produziu o objeto, e não pegou simplesmente uma cadeira do Paulo e botou na exposição, o que seria uma apropriação direta”, diz o artista.
MATHEUS ROCHA / Folhapress