SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Calmo. Paciente. Estes dois adjetivos não costumam ser associados com frequência a chefs de restaurantes badalados, mas com o cozinheiro paulistano Rodrigo Oliveira, 43, a coisa muda um pouco de figura. Um dos jurados do MasterChef (Band), ele está longe de reforçar o estereótipo dos chefs que, em momentos de maior pressão, dão verdadeiros pitis na cozinha ao lidar com suas equipes (Alô, Gordon Ramsay!), mas também nega que seja “bonzinho”. Equilibrado talvez seja o termo mais adequado para defini-lo.
E de onde vem esse equilíbrio? Faixa marrom de jiu-jítsu, Oliveira se junta a outros chefs que viram na “arte suave” (é este o significado do nome do termo que dá nome ao esporte) uma válvula de escape para o estresse do trabalho na cozinha. “Talvez seja para mim a terapia mais eficiente que exista”, afirma.
“A arte marcial tem algo ainda mais especial que é o cuidado consigo e com seu companheiro, adversário, algo muito necessário para o mundo como o de hoje, tão disperso, virtual e intangível”, avalia. Além dele, colegas como Alex Atala e Felipe Bronze também são adeptos da modalidade -ambos já são faixa preta, um estágio além da marrom que Rodrigo usa em seu quimono.
Substituto do explosivo Henrique Fogaça nesta atual temporada de competidores amadores do reality, Oliveira é quase o oposto de seu antecessor, mas diz que bonzinho ele também não é. “Essa coisa de rótulo… Nunca me percebi assim [bonzinho], sempre tive o cuidado, no trabalho e na vida, de ser justo, mas entendo que em alguns momentos o que a equipe precisa de um chacoalhão”.
Em entrevista, o cozinheiro do premiado restaurante de comida nordestina Mocotó ainda fala sobre seus hobbies e a respeito das condições que fazem com que o brasileiro coma cada vez pior. “Não é por desinformação, é mais por vulnerabilidade.”
PERGUNTA - Como é estar no MasterChef?
RODRIGO OLIVEIRA – Pode parecer estranho, mas é muito mais fácil do que eu imaginava. É uma fórmula muito certeira de excelência. É um formato que vem afinando faz quase dez anos. Tem sido inspirador fazer parte.
Você substitui o Henrique Fogaça, de temperamento mais explosivo. Considera-se ‘bonzinho’, como já o apontaram nas redes sociais?
R. O. – Essa coisa do rótulo… Eu nunca me percebi como bonzinho, sempre tive o cuidado, no trabalho e na vida, de ser justo. Mas entendo que em alguns momentos o que a equipe precisa é de um chacoalhão. A rotina na cozinha já tem tanta pressão. Nos momentos de caos, o melhor é trabalhar em esforço, manter a mente serena para conseguir agir bem e tomar boas decisões.
Gostaria de permanecer após o retorno de Fogaça?
R. O. – O convite foi destinado a uma única temporada de amadores. O Fogaça queria resolver questões pessoais, mas já está voltando às gravações esse mês para a atração com profissionais. Então, acredito que ele estará 100% e que minha participação acabe. Mas tenho ótima relação com a Band e me coloco à disposição.
Considera a gastronomia brasileira a melhor do mundo?
R. O. – Não, com certeza não. A gente já viu por meio de alguns rankings que é impossível comparar coisas subjetivas, diversas e complexas como cozinha. Como olhar para países como França, Itália e Japão e apontar que uma culinária é melhor do que a outra? O que digo é que a cozinha brasileira tem tudo para se tornar uma grande cozinha internacional. Você encontra a comida italiana representada em todo o mundo, a francesa também. E isso vem de um esforço político mesmo.
Acha que chegaremos a este ponto?
R. O. – O Brasil tem hoje talentos e matéria-prima para se colocar no mundo como uma grande cozinha. Aproveitar essa onda de valorização e reconhecimento da culinária latina pode ser positivo, assim como produtos brasileiros e os chefs daqui. Estamos numa crescente.
Na sua opinião, o brasileiro come mal?
R. O. – Sim. Temos recortes de classe social, de localização geográfica, de raça, que apontam para resultados diferentes. Eu digo que, de maneira ampla, dá para comer mal de muitas maneiras. Comer pouco é comer mal, não ter alimentos suficientes, ter que pular refeições por falta de recursos, isso também é comer mal.
Mas muita gente come mal por opção…
R. O. – Pois é, quando a pessoa tem escolha, condições, um fator decisivo para que ela continue se alimentando de forma incorreta pode ser a educação. Importante saber o que faz bem, ler o que está escrito na gôndola [do mercado] e não ser iludido por marketing.
Qual seria o maior problema da alimentação no Brasil?
R. O. – A renda. As pessoas não têm o suficiente para fazer as melhores escolhas, então é mais conveniente e barato dar a uma criança um pacote de bolacha do que uma cesta de frutas. O brasileiro come mal, sim, mas não por desinformação, é mais por vulnerabilidade, um problema mais da sociedade do que do indivíduo.
Você é faixa marrom de jiu-jítsu. Como a arte marcial ajuda na sua vida profissional?
R. O. – Ajuda em tudo. Os esportes em geral já têm essa coisa de colocar você para olhar um objetivo. É possível treinar sua disciplina, equilibrar corpo e mente. A arte marcial tem algo ainda mais especial que é o cuidado consigo e com seu companheiro, adversário, algo muito necessário para o mundo como o de hoje, tão disperso, virtual e intangível. O progresso diário é lento e vamos afinando uma técnica por anos até conseguir o movimento perfeito. Talvez seja para mim a terapia mais eficiente que exista.
Com tanto trabalho, como fica sua rotina de treinos?
R. O. – Eu já treinei em diferentes horários, mas no ritmo do restaurante atualmente treino duas vezes por semana. Queria treinar mais, mas só consigo por volta das 19h. Saio recarregado. Se Deus quiser, em 2024 pego a faixa preta.
Você já competiu?
R. O. – Sim, duas vezes, adoro competição. Lá nos primórdios, na categoria sem quimono e sem divisão de peso, lutei com quatro atletas e venci todas. Também fiz uma etapa de um campeonato paulista ainda na faixa branca e finalizei quatro oponentes. Fui campeão nas duas vezes. Um aproveitamento de 100%. Competição é super legal para te colocar foco. Só que a vida, o trabalho e uma lesão me tiraram dos campeonatos. Quero experimentar de novo.
Você e outros dos mais respeitados e premiados chefs do país, como Alex Atala e Felipe Bronze, lutam jiu-jítsu. É coincidência?
R. O. – Os praticantes têm um ganho nessa vida da cozinha com tanta pressão. Não só o jiu-jítsu, mas todo esporte que envolva adrenalina. Tem a ver com resistência, meta. Essa paciência, frieza que tenho, podem ser fruto dos treinos. Quando estamos lutando com um adversário, você não consegue pensar em outra coisa a não ser sair vivo (risos). Assim como no ciclismo, outra grande terapia que faço.
LEONARDO VOLPATO / Folhapress