FOLHAPRESS – À maneira de escritoras como Zadie Smith e Chimamanda Ngozi Adichie, Elif Shafak desenvolve uma espécie de reparação histórica que ganha forma através da escrita em inglês, aprendida na Inglaterra, que ocupou o seu país de origem.
Além disso, em “A Ilha das Árvores Perdidas”, Shafak também se arrisca a incluir as mudanças climáticas e a limitada relação que temos com outras espécies. O romance da escritora turco-britânica se passa entre Londres e Nicósia, capital da ilha de Chipre, e é narrado em três tempos: o fim da década de 2010, o início dos anos 2000 e parte da década de 1970.
Apesar de ter sido, na maior parte de sua história, território grego, o Chipre foi ocupado por britânicos entre 1878 e 1960, quando alcança a independência, e invadido por turcos em 1974, quando eclode a guerra do Chipre. Este período de conflito mais recente, em que uma cerca de arame farpado separou Nicósia entre grego e turcos, é um dos cenários de Shafak.
“A Ilha das Árvores Perdidas” começa no final da década de 2010, com a introspectiva e aplicada jovem Ada, então com 16 anos. Numa situação em sala de aula, quando a professora solicita que, nas férias, a turma escolha algum objeto de família que fale sobre as suas origens e desenvolva um trabalho sobre isso, Ada sofre um surto no qual não consegue parar de gritar.
Logo sabemos que ela perdeu a mãe recentemente e, embora tenha nascido e crescido em Londres, é filha de um casal que migrou do Chipre, mas compartilhou muito pouco dessa história com ela.
Os pais de Ada são Defne, de origem turca e muçulmana, e Kostas, de origem grega e católica. Eles se apaixonam ainda na adolescência, nos anos 1970, quando vivem um romance interrompido abruptamente pela guerra. A mãe de Kostas descobre o romance e faz com que ele se mude para Inglaterra.
A ilha de Chipre é apresentada por Shafak como um lugar paradisíaco, repleto de aromas e natureza significativa, maculado pela brutalidade humana. Kostas é, desde jovem, atento e preocupado com as plantas e animais em seu entorno, e isso é apresentado com regularidade ao longo do livro de modo quase enciclopédico.
Além disso, para reforçar o conflito entre humanidade e natureza, boa parte da história é contada em primeira pessoa por uma fícus carica, uma árvore que vivia no pátio do restaurante “A Figueira Feliz”, onde o jovem casal costumava se encontrar escondido.
Só que ao invés de se estabelecer como uma voz original e falar a partir de uma experiência de vida diferenciada, a figueira tem vasto conhecimento sobre a história da humanidade, fala com o leitor e serve como uma espécie de voz da consciência que sinaliza os erros humanos.
Há um momento em que Kostas diz à filha Ada: “Estamos só começando a descobrir a linguagem das árvores. Mas o que podemos dizer com certeza é que elas podem ouvir, sentir cheiros, se comunicar… e definitivamente recordar.”
A linguagem das árvores é desenvolvida por Shafak através de conversas que a figueira tem com ratos, abelhas e mosquitos comentando situações vividas entre os personagens. Assim, ao mesmo tempo que se propõe a discutir o aquecimento global, a autora se priva de imaginar como é existir em outro lugar. Com isso, reforça a crença de que a consciência reflexiva é uma exceção humana.
Depois de anos vivendo na Inglaterra, Kostas retorna à Nicósia então pacificada e reencontra uma Defne marcada pelo sofrimento, o restaurante onde se encontravam destruído e a figueira quase morta. Enquanto ele se tornou um botânico obstinado, Defne optou por trabalhar junto ao Comitê de Pessoas Desaparecidas que escava o território do Chipre em busca de vítimas da guerra. Juntos, decidem ir para Inglaterra e levam a figueira com eles.
É evidente que existe uma pesquisa relevante que traz fundamento ao livro, que atrai a nossa sensibilidade para o conflito do Chipre e para os traumas da imigração. Mas sobram certezas e faltam dúvidas no livro de Shafak, que traz pouco ou nada de novo em relação a esses assuntos.
A ILHA DAS ÁRVORES PERDIDAS
Avaliação Regular
Preço R$ 59,90 (352 págs.)
Autoria Elif Shafak
Editora HarperCollins
Tradução Marina Vargas
TAÍS CARDOSO / Folhapress