SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Não há uma mulher que não pense sobre maternidade. Seja por sonho, imposição social ou negação, o maternar está presente na vida de meninas desde o nascimento, quando ganham de presente uma boneca para ser sua melhor amiga.
Entre as mulheres que recebem o diagnóstico de que seu bebê vai nascer com algum tipo de deficiência, pairam as dúvidas. Como será a vida de seu filho? Quais aspectos do lar e de sua vida serão transformados para sempre?
Esses temas estão presentes em “A Filha Única”, da escritora mexicana Guadalupe Nettel. Lançado no Brasil em 2022, a obra é uma das finalistas do prêmio Booker internacional.
“Espero que mais pessoas pensem nas crianças com deficiência e que mais famílias que estão passando por isso se sintam compreendidas, isso é mais importante que ganhar ou não. Bem, claro que gostaria de ganhar, mas acho que já ganhei muito até agora”, afirma a autora, durante entrevista por vídeo realizada do México.
O romance conta a história de Laura e Alina, amigas de vida. Laura, que é personagem e narradora, é uma mulher de seu tempo. Independente e estudiosa, ela pensa o mundo ao seu redor criticamente, inclusive quando se trata da maternidade.
Para ela, a gestação é uma imposição social que tira a liberdade feminina e condiciona mulheres a tudo o que o patriarcado quer: a dedicação à casa e aos filhos, a perda da independência e o reforço dos papéis de gênero.
Alina costumava compartilhar o mesmo pensamento, mas, com o passar dos anos, passa a desejar ter um bebê com seu companheiro. A partir daí, faz a amiga viver a maternidade ao seu lado, apesar de sua resistência.
Durante a gestação da amiga, a narradora começa a pensar os diversos aspectos da maternidade a partir de situações que invadem sua vida. Na varanda, um casal de pássaros constrói um ninho e não se deixa afugentar pela impaciente moradora.
Já no apartamento ao lado, uma mãe solitária lida com os acessos de raiva do filho, por quem Laura desenvolve uma curiosidade fraternal.
Conforme a gestação de Alina avança, sua bebê recebe o diagnóstico de uma malformação no cérebro que a levará à morte nas primeiras horas de vida ou a viver de forma totalmente dependente, sem sentidos como visão e audição, nem capacidade motora.
De forma fortuita, a escritora introduz assuntos que assombram meninas e mulheres ao longo dos séculos, como o machismo, a violência doméstica, o patriarcado e os privilégios impostos ao homem de forma quase natural por meio das leis e dos procedimentos sociais.
Caso a bebê de Alina morra nas primeiras horas, por exemplo, a lei prevê que apenas a família da mãe pode tomar decisões sobre a criança, como se o pai não fosse também responsável por sua vida.
Para a autora, esses mesmos padrões incidem sobre a vida de pessoas com deficiência, pondo-as à parte da vida em comunidade. Nettel conta que, ao acompanhar a experiência de sua amiga Amelia Hinojosa, assim como Laura fez com Alina, percebeu a falta de conteúdos que abordem o tema.
“Eu queria contar o que tinha acontecido com a minha amiga e como ela se sentiu”, diz. A escritora ia a cafés com Amelia e lhe perguntava detalhes do que aconteceu durante essa fase de sua vida. Foi assim que Nettel teve acesso aos diversos aspectos da história, mesmo os que Laura não havia presenciado.
Mãe de dois adolescentes, Nettel diz que não se identifica com a personagem que criou por achá-la “muito radical” quanto à maternidade, mas tem amigas que escolheram não ter filhos e gostaria de incluí-las na história por meio das perspectivas de Laura.
“Isso era visto de uma forma um tanto escandalizada, como se algo ruim tivesse acontecido ou elas carregassem um trauma ou algum defeito que as impeça de ter filhos. Acredito que há cada vez mais mulheres que decidem não gerar e que elas têm todo o direito de escolher o que querem da vida delas.”
Como se não bastasse a temática atual e a fluidez entre as palavras, a escritora ainda traz reflexões sobre outras formas de viver no mundo, como em comunidade.
A capa da versão em português, assinada por David Galasse, mostra um conjunto de pequenos círculos, ora espalhados, ora mais próximos, mas que formam uma grande figura: um ovo. Isso porque a história dos pássaros dá origem a uma metáfora sobre formação familiar, laços sanguíneos e adoção.
Afinal, será mesmo que a maternidade diz respeito só a gerar um ser? E se fosse mais sobre o cuidado e o amor, a afeição e a escolha?
Por outro lado, a escritora questiona a ideia de que existe uma mãe ideal, perfeita. “Existem tantas formas de ser mãe quanto existem formas de ser mulher ou de ser humano. Os ideais são inatingíveis e a realidade é outra, então precisamos parar de buscar o ideal e começar a pensar que alguém pode ser mãe de mil maneiras”, diz.
De acordo com ela, é mãe a mulher que adota, a que cuida de uma criança por um período, fazendo um favor a alguém, e até a que acolhe a si mesma mas o cuidado não define a maternidade.
“A maternidade pode ser muito diversa e pode ser temporária, pode ser porosa, e você pode, por exemplo, ser mãe e viver separada de seu filho. É por isso que eu também queria falar, e consegui trazer um pouco, sobre o romance animal.”
A FILHA ÚNICA
Quando Encontro com a autora nesta segunda-feira (8), às 19h
Onde Livraria da Vila, na rua Fradique Coutinho, 915, em São Paulo
Preço R$ 69,90 (213 págs.); R$ 48,90 (ebook)
Autoria Guadalupe Nettel
Editora Todavia
Tradução Silvia Massimini Felix
PAOLA FERREIRA ROSA / Folhapress