Justine Triet é a 3ª mulher a vencer a Palma de Ouro no Festival de Cannes

CANNES (FRANÇA (FOLHAPRESS) – Se no ano passado a cerimônia de premiação do Festival de Cannes foi marcada por surpresas, com poucos saindo de mãos abanando diante de um júri que distribuiu menções e empates, a deste ano ficou no esperado. “Anatomie d’une Chute”, uma das poucas unanimidades desta 76ª edição, garantiu a Justine Triet sua primeira Palma de Ouro.

Ela é a terceira mulher a receber a honraria, depois de Jane Campion e Julia Ducournau, que integrou o júri deste ano. “Este é o filme mais pessoal que eu já escrevi, então gostaria apenas de dizer que estou alegre de ter feito um filme, porque meu produtor queria uma série”, disse ela, antes de denunciar o que chamou de repressão chocante aos protestos contra a reforma previdenciária na França.

O grande prêmio e o prêmio do júri, espécies de segundo e terceiro lugar, foram para “The Zone of Interest”, de Jonathan Glazer, e “Fallen Leaves”, de Aki Kaurismäki.

Anh Hung Tran, de “La Passion de Dodin Bouffant”, foi eleito melhor diretor e Yûji Sakamoto, de “Monster”, roteirista. Este prêmio, apresentado por John C. Reilly, foi marcado por um pequeno protesto do ator americano, que demonstrou seu apoio aos roteiristas de Hollywood atualmente em greve, depois de ficar alguns segundos em silêncio no palco só para dizer que, sem eles, os filmes seriam assim.

Kôji Yakusho, de “Perfect Days”, confirmou o favoritismo e levou melhor ator, num ano escasso de grandes atuações masculinas, e Merve Dizdar, por “About Dry Grasses”, melhor atriz, numa corrida feminina mais glamorosa e com desfecho inesperado.

Entre os curtas, “27”, de Flóra Anna Buda, ficou com a Palma e “Fár”, de Gunnur Martinsdóttir Schlüter, com uma menção especial. A Câmera de Ouro, dedicada aos filmes de estreia, ficou com “L’Arbre aux Papillons d’Or”, de An Pham Thien.

“Firebrand”, produção britânica que teve direção do cearense Karim Aïnouz, ficou sem nada depois de uma recepção morna no festival. Outra brasileira, Carol Duarte, do italiano “La Chimera”, também estava no páreo na categoria de atriz.

Presidido pelo sueco Ruben Östlund, que no ano passado entrou para o seleto grupo de cineastas com duas Palmas de Ouro no currículo, graças a “Triângulo da Tristeza”, o júri deste ano foi composto por Julia Ducournau, Maryam Touzani, Denis Ménochet, Rungano Nyoni, Brie Larson, Paul Dano, Atiq Rahimi e Damián Szifrón.

Ao todo, 21 filmes concorriam ao mais prestigiado prêmio do circuito de festivais de cinema. Vale lembrar que, diferentemente do Oscar, em Cannes um mesmo longa não pode ganhar a Palma e outro prêmio oficial -Palma Queer, por exemplo, não entra na regra.

Esta última, dedicada a produções com temática LGBTQIA+, foi entregue nesta sexta-feira (26) a “Monster”, de Hirokazu Kore-eda, e ao curta “Boléro”, de Nans Laborde-Jourdaa. Presidente do júri queer, o cineasta John Cameron Mitchell se pôs a cantar em japonês após a entrega para homenagear o premiado, num momento etéreo e tão bizarro quanto seus filmes.

Na mesma noite, “How to Have Sex”, de Molly Manning Walker, levou o troféu da seção paralela Um Certo Olhar, que ainda distribuiu láureas a “Augure”, que ficou com o prêmio nova voz; “Goodbye Julia”, com o liberdade; “The Mother of All Lies”, com o de direção, e “Hounds”, com o do júri. O brasileiro “A Flor do Buriti”, de João Salaviza e Renée Nader Messora, levou o de melhor equipe.

Outra produção nacional, “Levante”, de Lillah Halla, recebeu o prêmio de melhor estreia da Fipresci, a Federação Internacional de Críticos de Cinema, mais cedo neste sábado. A associação também deu troféus a “Los Colonos”, na mostra Um Certo Olhar, e “The Zone of Interest”, na competição oficial

Nesta 76ª edição, o Festival de Cannes diminuiu o tom político do ano passado, marcado por uma Guerra da Ucrânia ainda jovem e que suscitou diversos debates, seja na controvérsia em torno de filmes russos, em invasões ao tapete vermelho, na aparição surpresa de Zelenski ou nas bandeiras azuis e amarelas que pendiam das janelas da cidade.

Neste ano, houve manifestação contrária ao conflito por parte de uma mulher não identificada, que jogou sangue falso sobre seu corpo, coberto com as cores da Ucrânia. Os brasileiros de “A Flor do Buriti”, por sua vez, ergueram uma faixa contra o marco temporal no tapete vermelho. Mas a dimensão dos atos foi menor, de pouca reverberação.

Na seleção oficial, no entanto, temas latentes e que concentram polêmicas estiveram presentes em peso, seja de forma direta ou nas entrelinhas. Xenofobia, racismo, machismo, homofobia e intolerância religiosa deram as caras em boa parte dos longas, na competição ou fora dela, e o prêmio a “The Zone of Interest” mostra, justamente, que o júri decidiu coroar um filme com estofo político.

Outra temática que contaminou a programação foi saúde mental. Meses depois de o Festival de Berlim dar seu Urso de Ouro a um filme que toca no tema, Cannes escalou para esta edição um leque de produções que também se debruçam sobre ele e sua contemporaneidade.

Na corrida principal, dos 21 filmes exibidos, dez enfrentavam o assunto, com ou sem sutileza, como “Monster”, “Anatomy of a Fall”, “Black Flies”, “Club Zero” e “A Brighter Tomorrow”. “The Idol”, série exibida em caráter especial, é mais direto ao diagnosticar sua protagonista, logo nos primeiros minutos, com mazelas psicológicas.

Cinema é, afinal, reflexo de seu tempo. E Cannes, o mais importante festival da área, ao dar espaço a filmes mais autorais e reflexivos, é ano a ano um retrato subjetivo dos tempos em que vivemos, normalmente com uma dose de pessimismo, como nesta seleção.

LEONARDO SANCHEZ / Folhapress

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