O que muda no novo ‘A Pequena Sereia’, com Ariel negra e rap no mar

SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Quando compôs os acordes que causariam uma revolução não só na então decadente Disney Animation, mas no gênero de animação como um todo, Alan Menken não imaginava que o romance rodeado de bichinhos falantes de “A Pequena Sereia” seria fisgado, três décadas mais tarde, por uma rede de discussões acaloradas.

Com uma nova versão para o clássico desenho emergindo, “A Pequena Sereia” se tornou alvo de debate porque tem agora um rosto negro à frente. Cantora de R&B ao lado da irmã, Halle Bailey foi escolhida para vestir a cauda de peixe e soltar a voz no remake com atores de carne e osso que estreia nesta quinta-feira depois de enfrentar uma onda de ataques racistas.

Mal sabem os detratores, no entanto, que o filme inteiro está diferente. A começar pelos animais falantes que, por motivos óbvios, deixaram a fofura e as cores vibrantes de 1989 para assumir uma aparência realista.

Linguado, o peixinho melhor amigo da protagonista Ariel, e Sebastião, o caranguejo cantor, poderiam muito bem ter saído de uma peixaria qualquer, o que também mergulhou as redes sociais em inquietação. Já Sabidão, a gaivota, mudou de gênero e espécie. Com voz da atriz e rapper Awkwafina e como ganso-patola, ela consegue mergulhar para conversar com os outros personagens da trama.

“Isso não deveria ser uma discussão. A Ariel é uma sereia! Você realmente acha que existe uma etnia correta para isso? As pessoas que criticam estão mentindo para si mesmas”, diz Menken sobre a grande mudança do remake, frisando que este ainda é o filme que muita gente ama.

Um desses fãs é Lin-Manuel Miranda, que se juntou ao compositor para criar as letras de três novas canções e adaptar algumas outras. Howard Ashman, letrista original que com Menken fez ainda as músicas de “A Bela e a Fera” e “Aladdin”, morreu durante a epidemia de Aids nos anos 1990.

“Howard é um dos meus heróis. Ninguém escreve uma linha de raciocínio para uma canção melhor do que ele. São coisas que nenhum programa de inteligência artificial conseguiria fazer, então boa parte do meu trabalho neste filme foi me sentir intimidado”, diz em tom de brincadeira Miranda, que ficou mais calmo por saber que tinha intimidade suficiente com os personagens para aceitar o desafio.

Também produtor, o americano já sonorizou “Moana” e “Encanto” para a Disney e ganhou os holofotes com o fenômeno da Broadway “Hamilton”. Nele, o compositor e letrista pegou figuras originalmente brancas -no caso, pertencentes à história da fundação de seu país- e as fez negros, latinos e asiáticos.

O motivo para termos obras como essas no repertório do teatro e do cinema musical, afirma Miranda, é justamente “A Pequena Sereia”. Sem esconder o encantamento, o compositor e letrista rememora como uma criança o dia em que assistiu ao filme pela primeira vez, aos nove anos, como estragou sua fita em VHS de tanto usá-la e como o filme despertou sua vontade de trabalhar com entretenimento.

A parceria com Menken pode ser vista como uma passagem de bastão, de alguém que encheu o rol de clássicos da Disney com “Pocahontas”, “O Corcunda de Notre Dame”, “Hércules”, “Encantada” e “Enrolados” para um já experiente aprendiz. De estilo bastante diferente, vale dizer.

Isso se reflete, em especial, num dos novos números musicais, em que Sebastião e Sabidão fazem um rap, gênero que permeia a obra de Miranda. As outras novidades são uma canção para o príncipe Eric, como um “Parte do Seu Mundo” masculino e uma que Ariel canta em sua cabeça, logo depois de dar sua voz para a bruxa do mar Úrsula, interpretada por Melissa McCarthy.

As letras de “Pobres Corações Infelizes” e “Beije a Moça” também foram modificadas. Elas abandonaram os versos sobre conquistar um homem com o corpo e ficar calada para ser atraente, no caso da primeira, e sobre Eric beijar Ariel sem perguntar se ela queria, na segunda.

Gêneros caribenhos, como o calipso e a cúmbia, respingam em toda a trilha sonora, numa trama mais fincada naquela região do globo e mais calcada em livros de história. O Império do Brasil chega a ser mencionado, quando o príncipe fala dos países pelos quais passou de navio.

Sua curiosidade pelas grandes navegações e os cantos inexplorados do mundo ajudam a dar aderência ao romance que, nos tempos de empoderamento de hoje, por vezes é lido como superficial ou antifeminista, por ter uma heroína que abre mão de tudo pelo amor de um homem que acaba de conhecer.

“Parte do Seu Mundo”, no entanto, deixava claro já nos anos 1980 que Ariel queria não especificamente Eric, mas expandir suas fronteiras e se rebelar contra a autoridade do pai, o rei Tritão, vivido por Javier Bardem. Quase cortada da animação, a faixa vem sendo destacada nos materiais de divulgação do live-action, prova de seu fascínio atemporal.

Alan Menken reforça que a música não é sobre empoderamento feminino, mas sobre os sonhos que qualquer indivíduo pode ter. Mas ele concorda que, no mundo contemporâneo, pode ser totalmente ressignificada.

“A Pequena Sereia” é só mais um na longa lista de remakes nos quais a Disney vem trabalhando, muitas vezes alterando detalhes para aumentar a diversidade e deixar as histórias em sintonia com o novo público. Há apenas poucas semanas, “Peter Pan” foi outro a ganhar versão de carne e osso, batendo na tecla da representatividade.

“Não sei se esses filmes precisam de novas versões. Muito do ímpeto por trás desses remakes é comercial, e a Disney não liga de ganhar dinheiro”, diz Menken, que ainda terá “Hércules” e “O Corcunda de Notre-Dame” regravados em breve. “Não vou fazer lobby para transformar animações em live-actions, mas se eles vão fazer de qualquer jeito, prefiro estar envolvido.”

A PEQUENA SEREIA

Quando Estreia nesta quinta (25), nos cinemas

Elenco Halle Bailey, Melissa McCarthy e Javier Bardem

Produção EUA, 2023

Direção Rob Marshall

LEONARDO SANCHEZ / Folhapress

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