FOLHAPRESS – O trocadilho é irresistível: “The Flash”, sobre um super-herói velocista, é um filme que está sempre correndo. Não interessa do que e para onde. À história, é essencial apenas a sensação de movimento.
Seus primeiros minutos são um bom exemplo disso, até porque a cerimônia em torno da ação chama mais a atenção que a ação em si.
O protagonista, Barry Allen, vivido por Ezra Miller, começa a história na luta para pedir um sanduíche em um café antes do trabalho, para o qual já está atrasado. Quando o atendente enfim começa a preparar seu pedido, porém, uma emergência da Liga da Justiça o obriga a largar tudo.
Aí Barry, já vestido como o Flash, se prepara para correr ao local, e eis que um grupo de garotas o interrompe, empolgadas com sua persona. O herói, esfomeado, avista uma barra de chocolate na mão de uma delas. A menina arremessa o doce, que cai no chão. Ele pega mesmo assim e sai correndo. Eis a primeira piada sem graça dessa maratona.
Tudo isso acontece em menos de cinco minutos, em uma brincadeira para revelar o título do filme. A peripécia revela a hiperatividade da narrativa, mas também o quanto ela mesma se distrai. Afinal, para que ir do ponto A ao ponto B -do dilema pessoal de Barry à urgência da Liga- quando há eventuais pontos C e D?
Esse zigue-zague se repete e cresce ao longo da história. O herói vive o drama de ter o pai culpado pelo assassinato da mãe, sabendo que a realidade é outra. Quando a justiça nega o recurso para libertar seu pai da prisão, o Flash descobre a habilidade de viajar no tempo, e decide mudar o passado para impedir a tragédia da família -o que gera uma nova realidade, onde os vigilantes com poderes não existem.
Para um filme tão antenado nas teorias físicas da viagem no tempo e do multiverso, “The Flash” é fiel à terceira lei de Newton, sobre ação e reação. Em particular a segunda parte. Os personagens só reagem aos eventos e não agem por conta própria nem quando deveriam.
Essa lógica é adequada. O longa é a conclusão simbólica ao universo de histórias proposto a partir de “O Homem de Aço”, de 2013. São produções que tentam desfazer os erros umas das outras desde o início, em uma fileira de dominós que se formou sem desenho aparente.
“The Flash” é a consequência de todas essas reações, uma sequência tão ampla que no fim ninguém sabe mais quem começou. Seu clímax, não por acaso, acontece logo antes da luta do Super-Homem com o General Zod em “O Homem de Aço”. Uma forma, talvez, de reencontrar o início desse efeito dominó.
Ao mesmo tempo, o confronto daquele filme foi muito criticado, há dez anos, pelo gozo com que se filmou a destruição da cidade de Metrópolis, seu palco. Para reverter isso, a batalha da vez acontece no deserto, cercada por figurantes digitais e uma estética que mais lembra um videogame da década passada.
É esse tipo de resolução neutra que o diretor, Andy Muschietti, aplica ao filme todo. O dilema desse bate e volta sem fim da franquia é resolvido na inércia criativa. Bom mesmo, deve pensar, é o zigue-zague do ritmo da história, que nunca para.
O filme vira então um tédio rápido, e, para piorar, sofre com uma tremenda falta de foco. A jornada de Barry, por exemplo, é interrompida a todo momento por outros heróis, que até tem espaço para serem explorados, mas permanecem superficiais.
Além do próprio herói, há sua versão alternativa, feita também por Miller e que não conheceu a tragédia da família; o Batman de Michael Keaton, que volta à ativa após resolver o trauma da aposentadoria sem razão aparente; e a Supergirl vivida por Sasha Calle, resgatada pelos heróis de uma prisão qualquer só para lutar contra Zod.
A trama vira um grande carrossel, portanto, que termina descartado para dar lugar a outro ainda maior, recheado de todas as participações especiais que só uma trama de multiverso permite.
Nesse momento, o cinismo que corrói o filme é visível nas referências. “The Flash” existe para satisfazer essa nostalgia de alguns, mas seu retorno ao passado se divide entre o carinho e a piada. É como se o público fosse visto como porcos em um chiqueiro, alimentados pelos próprios dejetos que regurgitaram anos atrás.
Tudo faz parte do zigue-zague do filme que, no fim, mantém imóvel o seu veloz personagem. “The Flash” existe nessa ilusão de movimento, tal qual o ritmo fabril da máquina impessoal que produz ele e todos os seus antecessores. Afinal, nada importa, tudo se reaproveita.
THE FLASH
Avaliação Ruim
Quando Estreia nesta quinta (15), nos cinemas
Classificação 14 anos
Elenco Ezra Miller, Michael Keaton e Ben Affleck
Produção Estados Unidos, 2023
Direção Andy Muschietti
PEDRO STRAZZA / Folhapress