SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A venda da escultura “Aranha”, de Louise Bourgeois, que ficou por mais de duas décadas exposta no Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM, tem provocado indignação e tristeza entre curadores, colecionadores e especialistas em arte contemporânea no Brasil.
A obra, que faz parte do acervo da Fundação Itaú, será leiloada pela Sotheby’s, em Nova York, no próximo dia 18. Segundo a entidade, a peça será vendida para custear as operações do Itaú Cultural. A estimativa, segundo a casa de leilão, é que a escultura de três metros de altura por mais de cinco de comprimento seja vendida por algo em torno de US$ 30 milhões e US$ 40 milhões, cerca de R$ 150 milhões e R$ 200 milhões.
“Aranha” ficou exposta numa gigantesca marquise do MAM, no parque Ibirapuera, de 1997 a 2018.
“É triste, parte o coração de quem quer que seja do meio da arte saber dessa venda. Estão todos chateados”, afirma a museóloga Marlise de Andrade Corsato. Ela conhece de perto a história de como a escultura foi parar no museu, já que trabalhava na instituição no ano de sua chegada.
A escultura foi exposta na 23ª Bienal de São Paulo e, segundo Marlise, encantou o empresário Olavo Setubal (1923-2008), patriarca da família controladora do grupo Itaú, que adquiriu a peça. Prima dele, Milú Villela era a presidente do MAM e pediu ao empresário que emprestasse a “Aranha” ao museu. “Eu me lembro que dr. Olavo concordou e disse que emprestaria a obra enquanto Milú estivesse na instituição”, recorda-se Marlise.
Villela saiu da presidência do MAM em 2019. Desde 2018, a obra já tinha deixado o museu para começar uma peregrinação por diferentes instituições de arte do Brasil.
A notícia da venda, porém, surpreendeu os especialistas no assunto. “É devastador. Não importa que não fosse de um artista brasileiro, não importa de onde ela vem. É uma obra maravilhosa, magnífica, que merecia ficar aqui”, destaca a museóloga. Nascida na França e naturalizada norte-americana, Louise Bourgeois foi uma das mais respeitadas escultoras do mundo. Ela ficou conhecida por obras de aranhas gigantes, como a que ficou exposta por mais de 20 anos no MAM.
Para Marlise Corsato, a permanência de “Aranha” no Brasil era também um símbolo de que o país, de fato, participava de um circuito de arte internacional. “É uma sensação de derrota a sua venda”, salienta.
Curador chefe do museu no final dos anos 1990, Tadeu Chiarelli lembra que a “Aranha” atraia olhares de um público diverso. “É uma peça que tem um grande apelo. As crianças ficavam olhando de fora do museu para dentro para vê-la”, diz.
Para ele, é uma pena que a escultura seja vendida. “Acho uma tristeza [o leilão], mas trata-se de uma propriedade privada. É algo impossível de ter controle”. Chiarelli afirma que a situação propõe uma reflexão maior sobre o tema. Na visão dele, os museus brasileiros precisam de uma política cultural mais robusta de aquisição de acervo para que não fiquem à mercê de colecionadores particulares.
“De arte contemporânea internacional, como é o caso da escultura de Louise Bourgeois, nós temos poucas obras no Brasil”, diz.
Em nota, a Fundação Itaú afirma que a obra icônica cumpriu longo e consistente circuito de exposição pública no país, tendo passado pelo MAM-SP (1997 a 2017), Inhotim (MG), Iberê Camargo (RS), MON (PR) e MAR (RJ), alcançando mais de 2,2 milhões de espectadores. Diz também que os recursos obtidos com a sua venda “serão destinados integralmente para o fortalecimento da estrutura e da perenidade do Itaú Cultural.”
MÔNICA BERGAMO / Folhapress