Lula critica exigências no acordo com UE e diz que premissa não deve ser ‘desconfiança e sanção’

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Durante declaração conjunta com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou a exigência ambiental extra que europeus querem no acordo com o Mercosul e disse que a premissa das negociações não deve ser “desconfiança e sanção”.

Os dois se encontraram nesta segunda-feira (12) por cerca de uma hora no Palácio do Planalto.

“Expus à presidente Von der Leyen as preocupações do Brasil com o instrumento adicional ao acordo apresentado pela União Europeia em março deste ano, que amplia as obrigações do país e as torna objeto de sanções em caso de descumprimento. A premissa que deve existir entre parceiros estratégicos é a da confiança mútua e não de desconfiança e sanções”, disse Lula.

“Em paralelo, a União Europeia aprovou leis próprias com efeitos extraterritoriais e que modificam o equilíbrio do acordo. Essas iniciativas representam restrições potenciais às exportações agrícolas e industriais do Brasil”, completou.

O petista se referia à norma aprovada pelo Parlamento Europeu em abril que proíbe a venda no continente de produtos oriundos de desmatamento em florestas.

Há uma lista de produtos primários na lei: gado, madeira, soja, café, cacau, borracha e dendê. Qualquer outro produto que seja alimentado (no caso da soja, por exemplo) ou derivado dessas commodities também estão contemplados no texto, como couro, chocolate, móveis, carvão vegetal, produtos de papel impresso e derivados de óleo de palma.

Em entrevista no final de abril, Lula já havia dito que a atual proposta era impossível de aceitar.

Os europeus buscaram estabelecer requisitos sustentáveis mais duros, que apresentaram no início deste ano. O acordo tem padrões de sustentabilidade que não são vinculantes (ou seja, obrigatórios), por isso os blocos estão negociando o termo adicional, chamado de “side letter”, que torna esses compromissos ambientais uma exigência.

Esse é um dos principais impasses para a ratificação do acordo. Enquanto a Europa quer garantir que a exportação de commodities com problemas ambientais seja vista como uma violação, membros do governo brasileiro consideram as condições muito rígidas.

Von der Leyen, por sua vez, disse em seu discurso que quer terminar o acordo o quanto antes, “no mais tardar até o fim do ano”, sem entrar nos detalhes de novas exigências do bloco.

Ela também disse aguardar “com impaciência” um retorno oficial do Brasil quanto às exigências, por considerar uma oportunidade de ouvir o que o país tem a propor.

“Mandamos uma carta como um instrumento adicional e aguardamos com impaciência a sua resposta. Pois a nossa abertura para ouvi-los, para saber onde temos que dar um passo em direção um ao outro e esperamos que até o final do ano concluamos o acordo União Europeia-Mercosul”, disse.

A parceria comercial vive um impasse há anos. Assinado em 2019, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), o texto ainda não foi ratificado pelos dois blocos.

Negociada oficialmente desde 1999, a resolução esbarra em novas condicionantes ambientais pedidas pelos europeus, bem como divergências do governo brasileiro sobre prejuízos à reindustrialização do país.

Lula já prometeu concluir o acordo ainda em 2023, mas disse que os atuais termos são impossíveis de serem aceitos, defendendo uma renegociação do texto.

De acordo com eurodeputados envolvidos no processo, a UE optou por congelar o trâmite após a assinatura em 2019 devido a um “efeito Bolsonaro”. Segundo parlamentares, seria politicamente inviável aprovar um acordo comercial envolvendo o Brasil num momento em que a imagem ambiental do país estava manchada internacionalmente.

A chegada do petista à Presidência reabriu a possibilidade de definição —e a UE quer aproveitar esta janela antes das eleições para o Parlamento Europeu, que acontecem em 2024.

Em entrevista à Folha antes do encontro em Brasília, Von der Leyen reforçou confiança no discurso ambiental de Lula, mas não sem emitir sinais para o risco de retrocessos.

“A União Europeia apoia fortemente a agenda ambiental e climática do presidente Lula”, disse a presidente da Comissão Europeia. “Só posso encorajar todos os atores institucionais no Brasil a trabalharem juntos para proteger a Amazônia, bem como as comunidades indígenas que vivem lá.”

O acordo Mercosul-União Europeia é tido como importante para o bloco se desvencilhar de uma dependência comercial com a China. Além disso, a conclusão do tratado comercial com o Mercosul pode dar um respiro geopolítico e econômico para uma UE cada vez mais isolada entre a dominância dos EUA e China.

Juntos, Mercosul e União Europeia respondem por cerca de 25% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial, abrangendo uma população de 750 milhões de pessoas.

No entanto, por se tratar de um acordo que ficou na mesa por duas décadas, há a percepção de que aspectos hoje importantes não estão devidamente abordados no texto.

A França é um dos principais opositores do acordo nos termos atuais. O país defende, entre outras coisas, a inclusão do que seriam “cláusulas espelho”, isto é, os produtos só podem entrar na UE se seguirem as mesmas condições que o bloco impõe internamente.

Este é um ponto especificamente delicado para a agricultura brasileira. Não só pela questão do desmatamento mas, sobretudo, pelos agrotóxicos.

Durante o governo Bolsonaro, centenas de pesticidas foram autorizados. Muitos deles não são permitidos em outros países.

Ao mesmo tempo, o setor agrícola europeu —que tem muita força política— teme que mais produtos sul-americanos entrem no mercado local. Além de interesses protecionistas, há a alegação de que os padrões de produção são menos rígidos e, portanto, as mercadorias custam menos.

Nesta segunda. a presidente da Comissão Europeia anunciou também o repasse de 20 milhões de euros do bloco para o Fundo Amazônia, como parte de um montante de 10 bilhões de euros em investimentos na América Latina e no Caribe.

Nas últimas semanas, o governo brasileiro cedeu ao Congresso e aceitou o esvaziamento das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas e viu a Câmara dos Deputados, presidida por Arthur Lira (PP-AL), aprovar o projeto de lei que firma o marco temporal para a demarcação de terras indígenas —o texto ainda precisa passar pelo Senado, e o Supremo Tribunal Federal discute o tema em outra frente.

Nesse contexto, Von der Leyen sustenta que os indígenas “desempenham papel central na preservação e no uso sustentável da floresta e no desenvolvimento do potencial de superpotência verde do Brasil”. O debate ambiental permeia as discussões do acordo UE-Mercosul, hoje travado. Lula disse querer selar o pacto neste ano, e a presidente do braço executivo do bloco europeu reforça estar empenhada.

MARIANNA HOLANDA E RENATO MACHADO / Folhapress

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