Lula indica Galípolo para o BC na expectativa de abrir caminho para corte de juros

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou nesta segunda-feira (8) que seu número dois na pasta, Gabriel Galípolo, será indicado pelo governo de Luiz Inácio Lula a Silva (PT) à diretoria do Banco Central, responsável por decidir o patamar da taxa básica de juros do país.

Nome de confiança de Lula, Galípolo precisará se equilibrar entre a autonomia legal do BC e a missão creditada a ele de abrir caminho para o corte da Selic —um apelo do presidente ecoado por membros do governo e por quadros do PT desde o início da gestão.

A leitura petista é que o juro alto prejudica a atividade econômica, cuja retomada é vista como crucial para a consolidação de apoio popular e político ao governo Lula.

O secretário foi escolhido para assumir a diretoria de Política Monetária, uma das mais importantes da autarquia depois da presidência —ocupada hoje por Roberto Campos Neto, indicado pela administração de Jair Bolsonaro (PL).

Além de Galípolo, Haddad também confirmou a indicação de Ailton de Aquino Santos, servidor de carreira do BC, para comandar a área de Fiscalização.

Os dois nomes ainda precisam ser confirmados pelo Senado Federal, após sabatina, mas a expectativa é que não haja obstáculos.

Interlocutores do governo afirmam que a indicação de Galípolo é uma maneira de “marcar território” dentro do BC, que hoje tem a diretoria composta integralmente por nomes escolhidos por Bolsonaro. A postura rígida do colegiado em defesa da manutenção dos juros em 13,75% ao ano tem sido um terreno fértil para críticas fomentadas pelo governo.

A avaliação é de que o ingresso de Galípolo pode contribuir para abrir divergência ou ampliar as discussões nas reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária), iniciando um processo de convencimento por dentro da instituição para cortar a taxa básica.

Futuramente, a aposta é que ele seja o escolhido de Lula para suceder Campos Neto, cujo mandato na presidência do BC termina em dezembro de 2024.

O atual secretário deve ser ajudado na missão de reduzir os juros pela própria conjuntura, uma vez que o mercado já estima um corte na Selic no segundo semestre. Por isso, outros interlocutores buscam minimizar o real poder que Galípolo terá para colocar a política monetária no rumo pretendido pelo PT.

Essa ala ressalta ainda que Galípolo e Aquino serão minoria: 2 diretores entre 9 membros com voto (8 diretores e o presidente). Lula terá direito a outras 2 novas indicações em dezembro deste ano.

Um grupo no governo inclusive defendeu, sem sucesso, adiar a indicação do atual secretário-executivo do BC para o fim do ano, quando sua chegada contribuiria para formar uma bancada mais expressiva, com quatro diretores nomeados pelo atual governo. Hoje, o máximo que os dois escolhidos poderiam obter seria “uma trincheira”, segundo uma pessoa ouvida pela Folha.

O confronto direto, porém, não deve ser o estilo de Galípolo. Hoje, o secretário ajuda a conduzir todas as discussões estratégicas do Ministério da Fazenda e esteve diretamente envolvido na elaboração do novo arcabouço fiscal e nos pacotes de medidas para recuperar as contas públicas —o que o colocou na linha de frente das conversas com o Congresso e com o próprio Banco Central.

Seu bom trânsito no mercado financeiro também é considerado um trunfo num governo de esquerda. Ele já foi presidente do Banco Fator e atuou em consultorias antes de ingressar na administração pública.

Galípolo é descrito como alguém conciliador e afeito ao diálogo, marcas que deve levar consigo para a atuação na autoridade monetária. Em meio à artilharia pesada da ala política contra o presidente do BC, ele é hoje um dos principais interlocutores de Campos Neto dentro do governo.

O próprio ministro da Fazenda fez questão de dar sinais dessa sintonia e ressaltou que o nome de Galípolo foi sugerido para a vaga pelo próprio presidente do BC.

“A primeira vez que ouvi o nome do Galípolo no BC partiu do Roberto Campos Neto. Estava no G20 na Índia, fomos almoçar juntos e foi a primeira pessoa que mencionou o Galípolo no BC no sentido de entrosar as equipes [do BC e da Fazenda]. Depois dele, muitas outras indicaram [ele]”, disse Haddad.

“Todo mundo é testemunha do esforço feito de parte a parte no sentido de permitir coordenação maior das políticas fiscais e monetárias, dar um direcionamento único”, avaliou. “Sempre fui um crítico do divórcio da política monetária e fiscal, até porque uso sempre a metáfora de que são braços do mesmo organismo trabalhando para o mesmo propósito.”

Em meio à insatisfação crescente do governo e do PT com o BC, as indicações para a diretoria se tornaram um assunto sensível, para o governo, para o mercado e para o próprio BC, que tem autonomia garantida por lei.

No sábado (6), Lula voltou a fazer críticas ao presidente da autoridade monetária. O petista não mencionou o nome de Campos Neto, a quem se referiu como “cidadão”. “Outro dia, numa entrevista, ele disse ‘para eu atingir a meta [de crescimento] de 3%, a taxa de juro tem que ser acima de 20%’. Está louco? Esse cidadão não pode estar falando a verdade. Então, se eu como presidente não puder reclamar dos equívocos do Banco Central, quem vai reclamar? O presidente americano?”, afirmou.

No passado recente, Galípolo já defendeu ideias consideradas menos ortodoxas para a condução da política econômica. Em 2022, ele assinou um documento junto com outros nove especialistas com propostas na linha da Teoria Monetária Moderna. Um dos coautores era André Lara Resende, expoente no Brasil da chamada MMT, na sigla em inglês.

Apesar das expectativas em torno da atuação do indicado no BC, Haddad disse que Galípolo não é filiado ao PT e não vai representar o pensamento do partido no colegiado. “Ele está indo para lá com a autonomia necessária para cumprir a lei, a mesma lei que os outros sete membros do Copom têm que respeitar”, afirmou.

A escolha de Galípolo para a cadeira no BC foi gestada nas últimas semanas. O secretário é um dos auxiliares mais próximos de Haddad e já era ouvido por Lula nas questões econômicas desde o período pré-campanha eleitoral.

Uma de suas primeiras aparições públicas se deu ao lado da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que o levou para um jantar com empresários em abril de 2022. Na ocasião, sua fala em defesa do diálogo entre governo e mercado foi bem recebida.

Seu desempenho recente à frente da secretaria-executiva é visto com bons olhos por Lula, que bateu o martelo sobre o nome em tratativas com Haddad.

Logo após a sugestão de Campos Neto, o ministro da Fazenda teve uma conversa preliminar com seu número dois sobre a possibilidade de indicá-lo ao BC. Na ocasião, Galípolo indicou que estava à disposição para atuar onde fosse necessário, mas deixou a decisão nas mãos de Haddad e do presidente.

O ministro conversou com Lula e, depois, novamente com Galípolo, alguns dias antes do anúncio oficial.

Segundo Haddad, a indicação só não foi informada antes porque ele aguardava uma conversa definitiva com Dario Durigan, que vai substituir Galípolo na Secretaria-Executiva da Fazenda —o que ocorreu no fim de semana.

Durigan foi assessor especial de Haddad na Prefeitura de São Paulo e hoje trabalha como diretor de políticas públicas do WhatsApp no Brasil.

Nos próximos dias, Galípolo vai assumir o comando da Fazenda em substituição a Haddad, que viaja ao Japão para participar como convidado da reunião de ministros do G7. Mesmo com a agenda cheia, o escolhido do governo para o BC deve procurar Campos Neto —que já o parabenizou pela indicação— e aguardar instruções do Palácio do Planalto sobre conversas com senadores.

Conforme a lei da autonomia do BC, aprovada em 2021, cabe ao presidente da República a indicação dos nomes dos diretores. Posteriormente, os indicados passam por sabatina na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado Federal. Os nomes são, então, levados ao plenário para aprovação.

LUCAS MARCHESINI E IDIABA TOMAZELLI / Folhapress

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