CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Mais de dez anos após a morte de Oscar Niemeyer, a cidade de Maringá, no Paraná, começa a tirar do papel um prédio desenhado pelo arquiteto entre as décadas de 1980 e 1990.
A prefeitura da cidade conduz um processo de licitação para definir a empresa que construirá o espaço, o Centro de Eventos Oscar Niemeyer, com 11 mil metros quadrados e 25 metros de altura, a um custo estimado de R$ 65 milhões. A obra deve ser levantada em até três anos após o contrato.
Mas a decisão de tirar o projeto da gaveta tem gerado discussão entre arquitetos. Há quem enxergue que a obra está sendo erguida fora de contexto, e que a marca Niemeyer deve ser adotada com ressalvas, já que o acabamento não é dele.
A história do prédio data de um período crucial do desenvolvimento de Maringá, na década de 1980, quando se discutia um destino para o pátio de manobras da ferrovia, na região central da cidade, em uma área de mais de 600 mil metros quadrados.
Maringá havia sido planejada a partir da linha férrea, mas, com a redução do escoamento do café para Londrina e São Paulo e o incentivo ao modal rodoviário, o trem foi perdendo espaço e o pátio começou a ser visto como um obstáculo para o tráfego de veículos.
Na tentativa de solucionar o problema, o município resolveu transferir o pátio de manobras, rebaixar a linha férrea e contratar o escritório do Niemeyer para dar um destino à área. Foi quando o arquiteto criou o Complexo Ágora, em referência às praças públicas da Grécia antiga. A proposta era monumental, com grandes torres comerciais e residenciais, além de hotéis, biblioteca, teatro e uma grande praça.
Outras versões do projeto foram criadas por Niemeyer. Uma delas foi apresentada em 1991, quando o arquiteto foi a Maringá. Mas quase nada saiu do papel. Em paralelo, cresceu a pressão do mercado imobiliário. Dos 600 mil metros quadrados, sobrou apenas o espaço onde agora deve ser construído o Centro de Eventos, que era o antigo projeto do teatro do Complexo Ágora.
“Depois de muito tempo estudando o Ágora, vejo que eles queriam implementá-lo na década de 1980, mas o mercado local não tinha capacidade econômica para absorver os edifícios monumentais. A cidade tinha meia dúzia de edifícios verticais”, explica Jeanne Versari, doutoranda em planejamento urbano e regional na USP.
O prefeito de Maringá, Ulisses Maia, do PSD, reconhece que a maior parte da área ter sido vendida à iniciativa privada inviabilizou a essência do projeto de Niemeyer, mas defende o resgate de parte dele.
Por inexigibilidade de licitação, e ao custo de mais de R$ 1,2 milhão, a prefeitura contratou em 2021 o Instituto Social Oscar Niemeyer de Projetos e Pesquisas, o Ison, para que o antigo desenho do teatro fosse transformado no Centro de Eventos.
“A única coisa que mudou foi a abertura do fundo do palco, com um portão grande que levanta. Oscar chegou a fazer este palco reversível em outras obras, que serve tanto internamente para uma plateia de quase 700 pessoas, como externamente, abrindo o portão para a grande praça, para até 20 mil pessoas”, diz o arquiteto Jair Valera, que trabalhava com Niemeyer e é o responsável técnico pelo projeto no instituto.
O Centro de Eventos vai abrigar ainda uma pequena biblioteca, um espaço para exposição e uma área de conveniência, para cafeteria ou algo do gênero.
Mas a autoria da obra e sua construção isolada foram pontos criticados por arquitetos. “Não sei até que ponto a gente pode dizer que é uma obra do Niemeyer. O que se reconhece é a casca Niemeyer. Mas o uso do espaço mudou e todos os interiores, refinamento e acabamento serão feitos por outro arquiteto”, diz Versari.
“Quando o Niemeyer fez este projeto, era um conjunto. Não era um edifício apenas. Era uma forma que tinha relação com as demais e que tinha relação com o contexto da cidade”, diz Fabíola Cordovil, professora de arquitetura da Universidade Estadual de Maringá. “Posso até ter críticas ao projeto do Niemeyer, mas ele tem uma coerência. Esta obra de agora está fora do contexto temporal e urbano de antes.”
Já Aníbal Verri, também professor da UEM, afirma que a obra hoje está mais para uma escultura do que para uma intervenção urbana, mas pondera que uma obra assim pode contribuir para melhorar a região.
“Nos projetos do Niemeyer sempre há um envolvimento com o terreno. Aquele museu de Niterói faz sentido naquela curva da montanha. Em Maringá, você construiu tudo em volta e sobrou um terreno, onde a gente está colocando um objeto sozinho, isolado. Vai ter força pela forma. Mas não como ideia de modernidade”, diz Verri.
“A obra é dele. Basta olhar para ela”, diz Valera, que discorda das críticas. Ele afirma que trabalhou quase 40 anos com Niemeyer e que a maior preocupação do Ison é manter as ideias dele na íntegra. “É um compromisso que a gente tem com ele e vamos levar até o fim. É como se ele estivesse fazendo.”
CATARINA SCORTECCI / Folhapress