CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Ser condenado à insignificância não é uma coisa de fácil digestão. Por menores que sejam as ambições das pessoas, a ideia de levar uma vida cerceada, aquém do potencial, amedronta. É o que mostra “About Dry Grasses”, algo como “sobre gramas secas”, filme que Nuri Bilge Ceylan apresenta no Festival de Cannes.
Samet é um professor que, devido às burocracias do sistema educacional da Tunísia, precisa passar uma temporada na escola de um vilarejo antes de poder se candidatar a uma vaga numa cidade grande. Ele leciona arte, o que o torna uma figura descolada da realidade à sua volta, em que as crianças vivem à beira da pobreza e são criadas para o trabalho no campo.
Ele percebe essa desconexão e projeta seus desejos na jovem Sevim, que trata com notório favoritismo. Além da proximidade intelectual, há ainda a física, com carícias na bochecha da menina e presentes que ela não encontraria nas lojas daquele pacato vilarejo.
É uma receita perigosa, logo o público percebe, e, não à toa, que envereda para uma denúncia anônima de que ele e um colega professor, com quem divide a casa, estariam tratando as alunas de forma inapropriada.
Reside aí parte do problema de “About Dry Grasses”. De cara, o público cria antipatia pelo protagonista, que será acompanhado por três horas e meia. É, no mínimo, incômodo.
Mesmo se não houver interesses escusos por trás da tal relação -algo que o filme não responde-, a maneira como ele, após um desentendimento, começa a tratar a jovem é grave por si só. Ele fica maldoso, sarcástico e obcecado, não sendo possível uma absolvição.
Tudo isso acontece no começo do longa. Ou seja, passamos mais três horas colados no protagonista, numa experiência que se torna entediante depois de pouco tempo. As longas durações, no entanto, estão no DNA de Bilge Ceylan, que já venceu a Palma de Ouro por “Sono do Inverno” e o prêmio do júri por “Era uma Vez na Anatolia”, que ficam perto dessa duração.
Com tanto tempo de tela, Bilge Ceylan tende a não economizar na verborragia. Até propõe discussões interessantes nos diálogos dos personagens, que apesar de tudo são bem construídos. A câmera, também, faz um bom trabalho de enquadramento a fim de atenuar o peso dos minutos nos quais repousa próxima aos rostos.
Com essa receita perigosa e que promete não ser unanimidade, no entanto, o diretor turco tem agradado a crítica e a imprensa presentes em Cannes. Pode sair daí algum prêmio desta edição, principalmente porque o presidente do júri, Ruben Östlund, gosta de provocar e incomodar.
Também fugindo de uma vida monotonamente genérica, a protagonista de “Banel & Adama” dá rosto à estreia da senegalesa Ramata-Toulaye Sy na direção de um longa. O cenário dos dois competidores pela Palma de Ouro, porém, difere por completo.
Enquanto Bilge Ceylan resfria a sala com suas temperaturas congelantes e a paisagem coberta da mais branca neve, Sy enche a tela de tempestades de areia e muitos tons alaranjados. Esteticamente, é um filme bonito, com paisagens coloridas e alegres, que dão um tom de leveza à historinha de amor dos protagonistas.
“Banel & Adama” acompanha mulher e marido, este o herdeiro do cargo de líder de uma aldeia do Senegal. Mas ele não quer a responsabilidade, e prefere passar os dias com ela. Eles querem construir um mundo próprio só para eles, contra todas as convenções à sua volta.
É um amor quase infantil o que vemos retratado na tela. As atuações, também, são inocentemente cruas, com diálogos marcados por pausas e caretas pouco naturais. Talvez a melhor palavra para descrever o concorrente à Palma de Ouro seja simpático -o que, neste caso, deve estar muito aquém do que Östlund procura.
LEONARDO SANCHEZ / Folhapress