O que está em jogo com o Marco Temporal? Placar no STF está em 5×2 contra a tese

Indígenas protestam contra aprovação do marco temporal| Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

O Supremo Tribunal Federal volta a analisar hoje a tese de que os indígenas só têm direito aos territórios que já eram ocupados por eles no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. É o chamado Marco Temporal.


Os ministros julgam uma ação de Santa Catarina em que uma terra ocupada por indígenas Xokleng é disputada por agricultores e está sendo requerida pelo governo catarinense. O argumento é que essa área, de aproximadamente 80 mil metros quadrados, não estava ocupada em outubro de 1988. Mas os indígenas argumentam que a terra estava desocupada porque eles tinham sido expulsos de lá, mas que, sim, trata-se de uma terra dos povos originários.

Essa decisão do STF é muito importante porque pode definir o rumo de mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão em aberto no Brasil. O editor da Novabrasil, Luciano Borborema, conversou com alguns especialistas no assunto e que tem visões diferentes sobre o Marco Temporal.

Um deles é Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental. Ele é contra a aprovação da tese, porque diz que ela ignora a violência que esses povos sofreram ao longo dos anos e que fez com que muitos tenham fugido das suas terras quando a Constituição foi promulgada. Além disso, ele destaca que a diminuição das terras indígenas pode contribuir ainda mais com a degradação do meio ambiente.

“O Marco temporal aprovado, na forma que se pretende, deixaria uma grande lacuna na proteção ambiental porque muitas áreas de interesse à proteção indígena são coincidentemente de interesse de proteção ambiental. Isso é o casamento perfeito porque você acaba criando uma unidade de conservação em terra indígena com proteção ambiental mais rigosrosa protegendo essas áreas do agronegócio predador e da mineração ambiciosa e do desmatamento ilegal”, ressalta Bocuhy.   

De acordo com levantamento do MapBiomas, as terras indígenas são grandes responsáveis por garantir a proteção dos biomas brasileiros. Somente 1,6% de todo desmatamento que aconteceu nos últimos trinta anos foi registrado em territórios demarcados ou em processo de demarcação. Já as áreas privadas foram responsáveis por 68% da perda de vegetação nativa.

O principal argumento de quem defende que a tese do Marco Temporal seja mantida pela justiça é que os produtores agrícolas perderiam muitas de suas áreas de plantio, principalmente as que estão nas divisas de territórios demarcados.

O deputado federal e integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária, Sérgio Souza, falou à reportagem Novabrasil que, se o marco temporal for derrubado pelo STF, vai aumentar o desemprego no campo e diminuir drasticamente a produção do setor agrícola no Brasil. “O agricultor tem direito à terra, tem direito de produzir, de ter o sustento dele. Temos 14% do território demarcado no censo de 2010 para 800 mil índios. E temos 7% do território em agricultura para 15 milhões de agricultores e vai se tomar metade disso”, diz o deputado.

Apesar da área agrícola ocupar pouco mais de 7% do território nacional, as terras destinadas à agropecuária ocupam 41% do solo brasileiro, segundo o censo Agro de 2017 do IBGE. 

Outro especialista, Francisco de Godoy, advogado e conselheiro da Sociedade Rural Brasileira, afirmou que o Marco Temporal tem como principal objetivo não gerar uma insegurança jurídica e garantir o direito à propriedade. “Essa tese não visa restringir o direito do indígena às terras. Pelo contrário, visa garantir o direito aos territórios que eles ocupam. Mas visa garantir também a estabilização social, a medida que os territórios que desde outubro de 1988 não eram ocupados pelos indígenas, não devem ser tomados pelo estado, mas devem ter sua posse privada reconhecida a brasileiros, estrangeiros, índios ou não índios”, defende Francisco.

O tema do Marco Temporal está em discussão no Congresso Nacional há pelo menos 15 anos. No final de maio, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto que torna lei a tese do marco temporal. O texto já foi aprovado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado e agora tramita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

A advogada e porta-voz do ISA, Instituto Socioambiental, Juliana Batista, explica o que acontece se o STF derrubar o Marco e o Congresso aprovar a lei que oficializa essa tese. “Se o STF decidir pela inconstitucionalidade do marco temporal, ainda assim o Congresso pode aprovar o projeto a favor. Mas a lei, se for sancionada pelo presidente da República, deve ser questionada posteriormente na justiça”, explica Juliana.

Por enquanto, o placar do julgamento no STF está em 5 a 2 contra o marco temporal. Os ministros Edson Fachin, relator do caso, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso e Dias Tófolli já votaram contra a tese, por considerarem que o direito à terra indígena é anterior à formação do próprio Estado e independe de um marco no tempo. Já o ministro Nunes Marques considera que a falta de um marco causa insegurança jurídica. O posicionamento dele foi seguido por André Mendonça.

A decisão sobre o caso de Santa Catarina vai firmar o entendimento do STF para a validade ou não do marco temporal em todo o País, afetando mais de 80 casos semelhantes e mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão pendentes.

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