SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Livros antigos empilhados são espalhados pelo chão, delimitando o espaço do palco. Um fio de luz vermelha acende e apaga atrás das atrizes Julia Tavares e Luisa Micheletti. É única iluminação, que imita um trailer cinematográfico. Em flashes, uma delas é um médico do século 19, e a outra, uma mulher recebendo diagnóstico de histeria.
Ambas anunciam o que o público deve esperar da peça -a medicina defendendo a suposta inferioridade biológica das mulheres. O texto cômico e afiado reproduz o tom da graphic novel que inspirou a peça, da sueca Liv Strömquist, “A Origem do Mundo: Uma História Cultural da Vagina ou a Vulva vs. o Patriarcado”.
É nos livros dispostos em cena que as personagens vividas por Tavares e Micheletti vão procurar, desesperadamente, representações da vulva.
Enquanto Strömquist utilizou do desenho para apresentar os ângulos desta história, as atrizes convidam o público a descobrir como o corpo da mulher foi representado ao longo dos séculos pela ciência, filosofia e psicologia -áreas dominadas pela presença masculina- através da interpretação de mais de dez personagens cada.
O ritmo frenético com que uma cena passa para a outra dá a impressão de que estamos assistindo a uma espécie de live-action do quadrinho para o teatro. “O texto já tinha essa questão rítmica. Não seguimos como a dramaturgia clássica costuma costurar uma cena à outra”, diz a diretora Maria Helena Chira.
O diferencial é reforçado pelo Teatro Mínimo do Sesc Ipiranga, em que não há separação do palco por desnível, com público e atrizes dividindo a mesma sala, ora carregada de tensão, ora de gargalhadas.
Tavares e Micheletti revezam a encarnação de Aristóteles e Deméter até Sigmund Freud, passando também por figuras cotidianas anônimas, como duas amigas que fumam um baseado enquanto discutem fazer uma cirurgia plástica na vulva por pressão estética.
O sarcasmo é a ferramenta chave para proporcionar alívio cômico diante da tensão que envolve o tema e, somada à interpretação das provocações de Strömquist, as atrizes acrescentam uma dose extra de humor quando adicionam ao roteiro piadas mais próximas do imaginário brasileiro.
“Precisamos criar essas pontes de diálogo, e o humor é a melhor forma de fazer isso, porque podemos dizer coisas duríssimas e divertir ao mesmo tempo”, diz Micheletti.
É o que acontece quando ela interpreta Freud como se fosse um vendedor tentando convencer as pessoas a comprarem sua teoria, na qual defende que a única maneira de a mulher se expressar sexualmente é através da penetração.
O figurino é outro elemento importante na montagem. As atrizes usam apenas macacões jeans. “Queríamos que passasse uma ideia de ativismo, de que elas estão prontas para o embate”, diz a diretora. O humor, então, fica a cargo de anestesiar os momentos de porrada provocados pela dureza dos relatos históricos.
A ORIGEM DO MUNDO
Quando Até 12 de maio
Onde Sesc Ipiranga – r. Bom Pastor, 822, São Paulo
Preço Ingressos esgotados
Elenco Julia Tavares e Luisa Micheletti
Direção Maria Helena Chira
ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress