O Ministério Público Federal (MPF) divulgou nesta quinta-feira, 17, ter instaurado um procedimento para verificar eventual irregularidade no Censo Demográfico 2022 pela ausência de perguntas nos questionários (básico e amostral) sobre a identidade de gênero e a orientação sexual dos brasileiros.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pelo Censo, explicou, em nota, que o tema é “sensível” e que nunca foi investigado pelo levantamento, não tendo ocorrido, portanto, nenhuma exclusão desse tipo de questão. Segundo o órgão estatístico, já houve tentativa anterior na Justiça de incluir a contagem da população transexual do País na operação censitária, mas há uma impossibilidade técnica de realizar a coleta desse tipo de informação no Censo Demográfico.
“O IBGE esclarece que o questionário do Censo Demográfico foi finalizado em 2019 e seu conteúdo foi amplamente divulgado pela mídia, na ocasião. Dele nunca constaram perguntas sobre a orientação sexual ou o gênero dos moradores. Em novembro de 2020, o questionário do Censo recebeu a adição de apenas uma única pergunta, sobre a existência de morador com diagnóstico de autismo no domicílio. Desde então, não foram feitas quaisquer modificações no conteúdo do questionário do Censo 2022”, esclareceu o IBGE, em nota à imprensa.
O órgão estatístico acrescenta que já há uma decisão transitada em julgado, proferida em razão de uma ação civil pública de 2018 impetrada pela Defensoria Pública da União, reconhecendo os argumentos técnicos do IBGE para que o Censo não incluísse uma pergunta que tentasse dimensionar a população transexual no Brasil.
À época, o IBGE defendeu que “questões de identificação, que exigem o próprio como respondente, não são compatíveis com uma operação censitária, a qual tem um morador por domicílio, que responde por si e pelos demais moradores, a garantir a qualidade de seus resultados, não havendo como mudar esse aspecto técnico-operacional para o Censo”.
Segundo o órgão estatístico, países como Reino Unido, Nova Zelândia e Estados Unidos vêm realizando testes há anos sobre esse tema, mas ainda não conseguiram introduzir a questão em seus censos “por motivos técnicos e operacionais”.
“A investigação de gênero é considerada como quesito sensível, ou seja, quesito que pode ser considerado invasivo e pessoal pelo respondente, podendo impactar na coleta de todas as demais informações”, argumentou o órgão estatístico.
O procedimento instaurado pelo MPF atendeu a uma representação feita pelo Centro de Atendimento à Vítima (CAV) do Ministério Público do Acre (MP/AC). A medida, tomada pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), Lucas Costa Almeida Dias, teria como objetivo “corrigir eventual erro na metodologia censitária, que irá excluir importante parte da população brasileira do retrato real que deve ser demonstrado pelo Censo”.
“Além dos campos de identificação, as pessoas que não se identificam no binômio feminino-masculino também ficarão invisíveis e sem alcance de políticas públicas voltadas aos seus direitos fundamentais, como o direito de existir, de receber atendimento de saúde, entre outros”, justificou o texto do MPF.
O Censo Demográfico, que irá a campo em 2022, passa atualmente por seu primeiro teste nacional desde o início da crise sanitária. Realizado a cada dez anos, o levantamento visita todos os cerca de 71 milhões de lares brasileiros. A operação deveria ter ocorrido em 2020, mas foi adiada em decorrência da pandemia. Em 2021, o orçamento federal não trouxe os recursos necessários para a condução do Censo, que acabou adiado novamente, mas desta vez sob determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de que ocorresse em 2022.
A operação censitária foi orçada inicialmente pela equipe técnica do IBGE em mais de R$ 3 bilhões, para ir a campo em 2020. Em meio a pressões do governo pela redução no orçamento, os questionários originais foram enxugados, e a verba encolheu para R$ 2,3 bilhões. Quando foi adiado devido à pandemia para 2021, o governo federal reduziu ainda mais esse montante previsto, para R$ 2 bilhões. No entanto, apenas R$ 71 milhões foram aprovados pelo Congresso Nacional, e o Orçamento sancionado e publicado no Diário Oficial da União trouxe um veto do presidente Jair Bolsonaro que cortou esse valor para apenas R$ 53 milhões, o que inviabilizava até os preparativos para o levantamento ir a campo em 2022. Mais tarde, após a decisão do STF, o IBGE conseguiu assegurar uma complementação orçamentária para os preparativos neste ano.
As informações recolhidas pelo Censo servem de base, por exemplo, para o rateio do Fundo de Participação de estados e municípios, assim como políticas de saúde e educação.
“A definição dos quesitos que constam na pesquisa do Censo Demográfico é um processo complexo e que envolve o atendimento à necessidade de informação da sociedade e que, ao mesmo tempo, deve considerar vários fatores, entre eles, a revisão dos tópicos investigados tradicionalmente, a reavaliação da necessidade de manter a série histórica de dados, a avaliação de novas necessidades de informação, e as alternativas disponíveis de obtenção dos dados, sempre se observando as recomendações internacionais que tem como objetivo fornecer orientação e assistências aos países no planejamento e na condução de seus censos de habilitação e população e garantir a comparabilidade”, mencionou o IBGE, na nota divulgada nesta quarta-feira.
Agência Estado