SÃO PAULO, SP, E CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – O advogado Cristiano Zanin, indicado pelo presidente Lula ao STF (Supremo Tribunal Federal), e o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) tiveram embates tensos que incluíram provocações e ironias em audiências das ações penais da Operação Lava Jato de 2016 a 2018, quando Zanin defendia o petista e Moro era o juiz das causas, na 13ª Vara Federal de Curitiba.
Eles poderão estar frente a frente na sessão de sabatina do advogado marcada para a próxima quarta-feira (21) no Senado, em uma das etapas do processo de nomeação para a cadeira no STF. As discussões ocorreram em depoimentos de testemunhas e nos interrogatórios de Lula nos processos do tríplex de Guarujá (SP), do sítio de Atibaia (SP) e do terreno do Instituto Lula.
Além das intervenções verbais nas audiências, a atuação de Moro nos processos também foi formalmente questionada por Zanin em petições a tribunais e órgãos ligados ao Judiciário.
A tese de Zanin de parcialidade de Moro nos julgamentos de Lula foi reconhecida em 2021 pelo STF, na esteira do vazamento dos diálogos privados entre Moro e o então procurador da República Deltan Dallagnol, quando o hoje senador já havia deixado a cadeira de juiz para assumir um ministério de Jair Bolsonaro (PL). O ex-juiz era um nome ventilado por Bolsonaro para uma cadeira de ministro do STF, mas Moro deixou o governo em 2020.
Procurados pela Folha, Zanin e Moro preferiram não se manifestar.
Veja os episódios de embates entre o advogado e o ex-juiz:
*Dezembro de 2016 – Depoimento do ex-zelador de prédio José Afonso Pinheiro – Caso tríplex de Guarujá*
O embate ocorreu no testemunho de José Afonso Pinheiro, ex-zelador do prédio onde fica o tríplex de Guarujá que foi associado a Lula pelo Ministério Público.
“Ah, a defesa [de Lula está] sugerindo que ela [a testemunha] está mentindo por causa da política?”, afirmou Moro.
“Vossa Excelência está colocando palavras na minha boca. Eu não sugeri nada, eu fiz perguntas absolutamente pertinentes com o assunto”, replicou Zanin.
Moro, então, sugeriu que o ex-zelador poderia se tornar alvo de alguma retaliação por parte da defesa do petista. “Vamos ver se não vai sofrer queixa-crime, ação de indenização –a testemunha– pela defesa”, disse o então juiz.
“Depende. Quando as pessoas praticam atos ilícitos, respondem pelos atos. Acho que é isso o que diz a lei”, respondeu Zanin.
“Vai entrar com ação de indenização, então, contra ela [a testemunha], doutor?”, questionou Moro.
“Não sei. O senhor está advogando alguma coisa para ela?”, indagou o advogado.
O então magistrado sugeriu que a defesa do petista movia ações “contra todo mundo”.
“Eu acho que ninguém está acima da lei. Da mesma forma como as pessoas estão sujeitas a determinadas ações, as autoridades também devem estar”, respondeu Zanin.
Moro seguiu, em tom de ironia: “Está bom, doutor. Uma linha de advocacia muito boa”.
“Faço o registro de Vossa Excelência e recebo como elogio”, finalizou Zanin.
*Maio de 2017 – Primeiro interrogatório de Lula – caso tríplex do Guarujá*
Moro questionou Lula sobre testemunhas que disseram que o apartamento de Guarujá estava sendo preparado para o petista. Zanin fez uma intervenção e pediu que Moro especificasse quais eram essas testemunhas.
Lula, então, interveio: “Eu posso falar? Eu quero evitar que o senhor brigue muito com o meu advogado”.
“É o seu advogado que está brigando, eu estou tentando fluir com a audiência”, respondeu Moro.
*Setembro de 2017 – Segundo interrogatório de Lula*
Moro falou que a defesa não havia apresentado depósitos bancários de pagamento de aluguel de um dos imóveis ocupados por Lula. O então juiz fez praticamente a mesma pergunta nove vezes: “Depois de formulada essa acusação no fim do ano passado, não foi possível levantar como isso foi pago?”
Zanin interveio na discussão e disse: “Se não mudou ainda o modelo, cabe à acusação fazer a prova da culpa e não ao acusado fazer a prova da inocência”.
Moro afirmou que procurava apenas “auxiliar” o petista no assunto.
*Abril de 2018 – Depoimento de Marcelo Odebrecht – caso Instituto Lula*
Logo no início da audiência, Zanin disse que a defesa estava sendo cerceada por não ter acesso à íntegra dos arquivos do computador do empresário Marcelo Odebrecht. A decisão do advogado foi, então, de não fazer perguntas a Odebrecht.
“Eu acho que é um pouco brincadeira da defesa”, disse Moro.
Mais tarde, Zanin falou: “Vossa Excelência tem sempre gentis palavras para dirigir à defesa”.
Ao fim do depoimento, Moro listou perguntas que Zanin havia formulado anteriormente a Odebrecht e disse que nenhuma delas dependia do acesso aos arquivos para ser respondida. O juiz, então, aceitou dar acesso a todo o conteúdo do computador do empreiteiro.
*Junho de 2018 – Depoimento de Fernando Morais – caso sítio de Atibaia*
O jornalista e escritor Fernando Morais foi ouvido como testemunha de defesa de Lula, à época em que escrevia um livro sobre o petista.
Segundo Morais, o cantor Bono Vox teria comparado o petista a Nelson Mandela: “Depois da morte do Mandela, só existe no mundo uma pessoa capaz de juntar ricos e pobres, pretos e brancos, gordos e magros, e essa pessoa se chama Luiz Inácio Lula da Silva”.
Neste momento, Moro interveio. “Essa questão tem relevância para o caso por qual motivo, doutor?”, perguntou o juiz ao advogado de Lula.
Zanin argumentou que a reputação do acusado era importante para o processo, dando início a uma discussão entre defesa e juízo. “Não sei se incomoda Vossa Excelência a questão da reputação”, disse o advogado.
“Só não acho que o processo deve ser utilizado para este tipo de propaganda”, respondeu Moro.
*Junho de 2018 – Depoimento do funcionário da construtora OAS Misael de Jesus Oliveira – caso sítio de Atibaia*
Moro e Zanin discutiram quando o juiz indeferiu uma pergunta da defesa. “Mais uma vez o doutor está sendo hostil à testemunha. Sempre acontece quando tem uma testemunha contrária à tese da defesa”, disse Moro.
“Eu estou fazendo o meu trabalho, que é a descoberta dos fatos. Então as perguntas têm esse objetivo”, respondeu Zanin.
FLÁVIO FERREIRA E CATARINA SCORTECCI / Folhapress