SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A ação que tramita no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra Jair Bolsonaro (PL), 68, cujo julgamento começa nesta quinta-feira (22), tem como principal consequência oito anos de inelegibilidade.
De acordo com a atual legislação, caso condenado, o ex-presidente estará apto a se candidatar novamente em 2030, aos 75 anos, ficando afastado portanto de três eleições até lá (sendo uma delas a nacional de 2026).
A investigação no TSE tem como foco a reunião entre Bolsonaro e embaixadores de diversos países no Palácio do Alvorada em julho do ano passado quando ele desacreditou o sistema eleitoral e atacou ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) sem apresentar provas.
Segundo o Ministério Público Eleitoral, naquela ocasião Bolsonaro teria cometido abuso de poder político, desvio de finalidade e uso indevido dos meios de comunicação.
O então candidato à reeleição teria se aproveitado da autoridade presidencial e feito uso de recursos públicos como a Alvorada, as redes oficias do governo e a TV Brasil para benefício próprio –a transmissão foi disseminada também nas redes sociais pessoais de Bolsonaro, usadas para a campanha do político.
Nesse sentido, o ex-presidente pode ser condenado por abuso de poder político ou conduta vedada –ações proibidas por interferirem na lisura e no equilíbrio das eleições, podendo afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos.
De acordo com o promotor de Justiça Rodrigo López Zilio, Bolsonaro só poderá ser responsabilizado por abuso de poder político caso seja reconhecido que sua ação teve repercussão no processo eleitoral.
No caso da conduta vedada, basta comprovar que a ação foi realizada com interesse eleitoral, como no uso já reconhecido da estrutura administrativa pública.
Isso porque o contexto é suficiente para caracterizar a quebra de equilíbrio entre os candidatos, sem a necessidade de que o ex-presidente mencionasse sua candidatura no momento da reunião, afirma Luiz Carlos Gonçalves, procurador regional da República e coautor do livro “Comentários às Súmulas do TSE”.
“O que a gente chama de conduta vedada quase sempre significa ‘uso da máquina pública em prol de uma candidatura’. Para isso não há a necessidade do pedido explícito de votos ou do anúncio da candidatura.”
Embora possuam especificidades, as duas irregularidades têm como principal punição oito anos de inelegibilidade. Pode ainda haver acúmulo de sanções. Nesse caso, Bolsonaro pode ser condenado a também pagar uma multa de até R$ 100 mil.
De acordo com as súmulas 19 e 69 do TSE, o período começa a contar em 2 de outubro de 2022, a data da eleição, e se encerra no “dia de igual número no oitavo ano seguinte”. Neste caso, 2 de outubro de 2030.
Realizado no primeiro domingo do mês de outubro, o primeiro turno das eleições 2030 deve acontecer no dia 6, quatro dias após Bolsonaro voltar a ser considerado ficha limpa. Para os especialistas, isso basta para que o ex-presidente possa concorrer ao pleito já nessa data.
De acordo com a súmula 70 também do TSE, “o encerramento do prazo de inelegibilidade antes do dia da eleição constitui fato superveniente que afasta a inelegibilidade”, ou seja, caso o candidato inelegível esteja apto a se candidatar no dia da votação eleitoral, esse fato assegura sua participação no pleito.
Nesse sentido, a não ser que a legislação eleitoral seja alterada nos próximos anos, o ex-presidente será impedido de participar apenas das eleições municipais de 2024 e 2028, e das gerais de 2026, podendo se eleger já em 2030.
“Esta é a análise do que temos hoje como legislação e jurisprudência”, observa Irapuã Santana, doutor em direito e ex-assessor de ministro no TSE e no STF.
O promotor Zilio cita como exemplo o caso das eleições municipais de 2020, adiadas para 15 de novembro em decorrência da pandemia da Covid-19.
Na época, candidatos que estariam inelegíveis no primeiro domingo de outubro, mas que voltaram a ter ficha limpa até a nova data do pleito, tiveram seus registros de candidatura deferidos em decisão do TSE.
“Se Bolsonaro pedir o registro, provavelmente vai ser indeferido no período de cadastro de candidatura, mas ele pode recorrer. Assim que passar o dia 3 [de outubro], ele pode apresentar uma petição na Justiça Eleitoral, e deve receber o registro de candidatura”, afirma o procurador Gonçalves.
Segundo ele, o ex-presidente nem sequer seria prejudicado na corrida eleitoral, já que, mesmo estando inelegível, a legislação não o impediria de se apresentar como candidato e fazer campanha, ficando somente a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.
Os especialistas ouvidos pela reportagem defendem que a restrição ao direito de candidatura seria mais igualitária se passasse a valer no primeiro dia do ano subsequente ao pleito eleitoral, o que tornaria a exclusão de quatro eleições comum a todos os políticos enquadrados na legislação.
“Atualmente, [um político] fica menos ou mais tempo [inelegível] por sorte ou azar. É uma coisa meio maluca”, afirma o promotor.
“Dois candidatos que tenham praticado o mesmo tipo de abuso vão ter sua sorte definida pelo calendário. Dependendo da data em que a eleição ocorra, ele pode se candidatar ou não pode se candidatar. Se você estabelece o primeiro dia do ano seguinte como critério, igualiza todo mundo”, diz o procurador.
Sob essa perspectiva, a punição de Bolsonaro teria início em 1º de janeiro de 2023, tornando o ex-presidente inelegível em duas eleições municipais e duas gerais, podendo se eleger apenas a partir de 2032.
Para que isso ocorra, no entanto, precisaria que a legislação eleitoral sofra alterações nos próximos sete anos.
Na opinião da advogada e professora de direito eleitoral Isabel Mota, a elegibilidade do candidato deve ser aferida no momento do registro de candidatura e valer por todo o pleito. Estando inelegível nessa fase, Bolsonaro deveria manter o status até o término das eleições de 2030, defende. Ela diz, porém, que prever como a Justiça Eleitoral agirá com relação ao político é um exercício de “futorologia”.
PAOLA FERREIRA ROSA / Folhapress