BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Polícia Federal afastou do cargo o delegado Bruno Calandrini, responsável pelas investigações contra Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro (PL). O agente havia denunciado uma suposta interferência da cúpula da corporação e do ex-presidente no caso.
Portaria de 20 de abril suspendeu preventivamente o delegado e o afastou do exercício do cargo até decisão final de um processo administrativo que corre contra ele. O ato é assinado pelo diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues.
Em 22 de junho de 2022, Ribeiro chegou a ser preso pela PF (Polícia Federal) a partir de acusações de que havia um balcão de negociações no MEC (Ministério da Educação) com a participação de pastores sem cargo no governo.
Também foram detidos, na ocasião, os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, próximos de Bolsonaro, o ex-assessor do MEC Luciano de Freitas Musse e Helder Bartolomeu, genro de Arilton. Todos foram soltos depois.
A suspeita de interferência veio à tona no dia seguinte ao da prisão após mensagem do delegado do caso, enviada a colegas. Calandrini disse no texto que a investigação teria sido “prejudicada” em razão de tratamento diferenciado dado pela polícia ao ex-ministro. O episódio foi revelado pela Folha de S.Paulo.
A divulgação de interceptação telefônica de Milton Ribeiro também serviu de combustível para a denúncia de interferência.
Em conversa de 9 de junho de 2022 com uma filha, captada em interceptação, o ex-ministro diz que falou com Bolsonaro naquele dia e que o então presidente teria dito estar com “pressentimento” de que iriam atingi-lo por meio da investigação contra seu ex-auxiliar.
Além da mensagem a colegas, Calandrini levou adiante a denúncia de interferência e indiciou delegados que atuaram na operação.
O delegado foi procurado, mas não respondeu até a publicação do texto.
O policial levou ao STF (Supremo Tribunal Federal) duas representações em que acusa a então cúpula da PF de Bolsonaro de tentar blindar os investigados e a relação deles com o ex-presidente e seu então ministro da Justiça, Anderson Torres.
No entendimento do delegado, os documentos, que incluem relatos de telefonemas e emails, indicam que a cúpula da PF tentou mudar o local de prisão do pastor Arilton Moura, com o objetivo de levá-lo à sede da superintendência da PF no Pará.
Assim que ele foi preso, Arilton ameaçou, em uma ligação telefônica interceptada, que poderia “destruir tudo” e disse ter proximidade com Bolsonaro, que já teria levado até açaí do Pará ao presidente. Agentes envolvidos na prisão reuniram documentos que refutam qualquer interferência.
O modo de atuação do delegado passou a ser contestado e criticado por colegas dentro da PF e foram abertas investigações internas para apurar se ele cometeu irregularidades.
A apuração contra Ribeiro foi aberta no STF em março do ano passado por conta do foro especial do então ministro. Com sua demissão, foi enviado para a primeira instância mas, em junho, voltou ao STF após a menção à suposta interferência de Bolsonaro.
Sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia, o caso foi colocado em sigilo, e os autos da investigação estão na corte. Ao subir para o STF, o inquérito praticamente deixou de andar e as apurações estão travadas, como a Folha de S.Paulo mostrou em fevereiro.
Ribeiro é investigado pelas suspeitas de crimes de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência, num caso que abalou o discurso anticorrupção de Bolsonaro.
O ex-ministro deixou o governo em março de 2022, uma semana após a Folha de S.Paulo revelar um áudio em que ele dizia priorizar demandas de um dos pastores a pedido de Bolsonaro.
Os pastores pediam dinheiro em troca de liberações de obras do MEC, de acordo com denúncias confirmadas por prefeitos. Houve relatos até de solicitação de barra de ouro para um gestor.
O caso envolve lideranças do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) ligadas a políticos do centrão.
O órgão do MEC, entregue ao centrão por Bolsonaro, é quem gerencia os recursos de transferências federais para obras de educação –auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) vê crimes na atuação de lideranças do FNDE.
PAULO SALDAÑA E CÉZAR FEITOZA / Folhapress