BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A primeira derrota expressiva de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso Nacional mostra uma legião de infiéis e sinaliza uma série de recados ao governo federal.
A derrubada na Câmara de mudanças feitas pelo governo federal no Marco do Saneamento, na noite desta quarta-feira (3), ocorreu por 295 votos a 136. Teve o apoio quase total de MDB, União Brasil e PSD, partidos que receberam juntos um total de nove ministérios de Lula.
Todos os 48 deputados da União Brasil que estavam presentes na sessão votaram contra o governo. No MDB, quase todos, 31 de 32. No PSD, 20 de 27. Reservadamente, parlamentares citam especificamente dois nomes do governo como alvos os ministros das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e da Casa Civil, Rui Costa.
A votação desta quarta-feira também mostrou um voto majoritário contra o Planalto de PP e Republicanos, siglas do centrão que ensaiam uma negociação com o governo, mas tão insatisfeitas como todas as outras siglas de centro e de direita.
O PP deu todos os 43 votos a favor da derrubada dos decretos de Lula. O Republicanos, 34 de 35 presentes.
“Com mais 20 votos já dá número para impeachment”, ironizou o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP), se referindo ao placar obtido na aprovação da urgência para a votação do projeto, maior ainda 322 votos contra o governo, só 20 a menos que o mínimo para autorização de abertura de processo de impeachment contra um presidente da República.
O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), já previa a derrota antes do resultado. “É uma vitória de Pirro, isso não tem importância nenhuma, eu prefiro em alguns momentos a altivez da derrota do que a rendição”, afirmou.
Menos do que o tema em si, o que definiu a robusta derrota do governo foi a insatisfação de partidos de centro e de direita com a liberação de cargos e emendas ao Orçamento, os principais mecanismos atuais de negociação entre Executivo e Legislativo.
A reclamação generalizada é de não cumprimento ou lentidão na execução das promessas feitas até agora.
Como já disse publicamente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a tentativa de montagem da coalizão lulista com base na distribuição de ministérios entre os partidos não está funcionando. Lira defende uma montagem da base por meio da distribuição e liberação ágil de emendas parlamentares.
Vários deputados, inclusive do governo, afirmam haver uma fila de derrotas a ser aplicada ao Planalto, no sentido de enviar o “recado” a Lula sobre a necessidade de mudança na articulação política no Congresso.
Há projetos na Câmara para derrubar os decretos de Lula sobre a política sobre armas e munições do governo Jair Bolsonaro (PL), além das primeiras medidas provisórias da gestão, algumas com prazo de votação já próximo ao fim.
É praticamente consenso entre governistas e oposicionistas que as decisões de Lula de restabelecer o voto de qualidade no âmbito do Carf, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (MP 1.160/23), e de transferir o Coaf (Conselho de Atividades Financeiras) do Banco Central para o Ministério da Fazenda (MP 1.158/23) serão derrubadas.
“Lula 3 voltou pior do que Dilma 2, é um governo amador”, resumiu o deputado de oposição Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que na véspera já havia liderado a pressão que levou o governo a adiar a votação do PL das Fake News. O adiamento ocorreu para evitar outra derrota do Planalto.
No caso da proposta que regulamenta as redes sociais, Lula não conseguiu maioria segura nem com o empenho do governo, nem com Arthur Lira, defensor da medida, e nem com o STF (Supremo Tribunal Federal) nos bastidores.
Relator deste projeto, o deputado Orlando Silva (PC do B-SP) afirma considerar que a insatisfação com o modelo petista de formação de sua base foi um dos fatores cruciais para arregimentar oposição ao tema.
“Existia [na gestão Bolsonaro] um modelo de relacionamento entre o Legislativo e Executivo em que os presidentes das duas Casas eram interlocutores importantes e os líderes das bancadas organizavam os parlamentares numa base que dava sustentação ao governo, só que o governo quer romper esse modelo”, diz Orlando.
Segundo o parlamentar, o Palácio do Planalto pensa em constituir diretamente a sua base, sem intermediação dos presidentes das Casas e dos líderes partidários, o que pode levar a negociação a um “varejo sem fim”.
“O risco é nós termos derrotas políticas em temas-chave para viabilizar o governo. O Zé Guimarães é dos mais qualificados para ser o líder do governo. O Padilha, o nome perfeito para ser secretário de Relações Institucionais. O problema não é da peça, mas dos mecanismos que estão sendo estruturados para a formação da maioria do governo na Câmara.”
Lula foi eleito na mais apertada diferença da história. Além disso, não conseguiu nem chegar perto de fazer maioria entre os congressistas eleitos.
Como a esquerda só elegeu cerca de 25% das cadeiras da Câmara, o presidente tentou montar sua base de apoio atraindo principalmente três partidos de centro-direita: MDB, PSD e União Brasil exatamente os três que votaram em peso contra o Palácio do Planalto nesta quarta.
Os ministros desses partidos são Alexandre Silveira (PSD), de Minas e Energia; André de Paula (PSD), da Pesca; Carlos Fávaro (PSD), da Agricultura; Daniela Carneiro (União Brasil), do Turismo; Juscelino Filho (União Brasil), das Comunicações; Waldez Góes (PDT, na cota da União), da Integração Nacional; Jader Barbalho Filho (MDB), das Cidades; Renan Filho (MDB), dos Transportes; e Simone Tebet (MDB), do Planejamento.
A fragilidade dessa base leva o governo a não colocar em pauta votações de relevo nesses quatro primeiros meses, contrariando o ocorrido em gestões anteriores.
Apesar disso, o Planalto já sofreu derrotas em temas fora de votações, como no fracasso na tentativa de barrar a criação da CPI mista relacionada aos ataques golpistas de 8 de janeiro.
RANIER BRAGON E DANIELLE BRANT / Folhapress