SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governo Lula (PT) tem presenciado uma série de reveses com o Legislativo desde o início do mandato. Eleito com uma pequena margem em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o petista sofre para a formação de uma base parlamentar robusta.
O exemplo mais recente de derrota é a MP que trata da reestruturação ministerial. O texto aprovado na quarta-feira na Câmara e nesta quinta (1º) pelo Senado, esvazia poderes das áreas ambiental e indígena do governo federal.
A demora na distribuição de cargos e emendas parlamentares é um dos motivos de reclamação dos deputados e senadores ao Planalto.
Alimentada à falta de interlocução com ministros e outros membros palacianos, algumas outras derrotas já foram vistas, como a instauração de CPIs indesejadas pelo governo, e a queda do decreto de regulamentação do Marco do Saneamento, editado pelo presidente em abril.
Veja em 5 pontos alguns dos reveses sofridos por Lula em seu 3 mandato na Presidência da República:
**1) Base insuficiente mesmo com cargos e verba**
Mesmo alocando nove partidos no primeiro escalão e vários membros do centrão em secretarias, autarquias e outros cargos em órgãos do Executivo, Lula não conseguiu criar uma base robusta para aprovar um projeto de Lei ou uma PEC (proposta de emenda à Constituição).
O petista tenta garantir votos na Câmara dos Deputados e no Senado liberando emendas. Mesmo assim, parlamentares se queixam da demora na liberação da verba, e Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, pede a gerência destes repasses, prometendo melhores resultados nas votações.
Legisladores apontam também um excesso de espaços para o próprio PT e siglas que não necessariamente entregam os votos no Congresso Nacional, como a União Brasil.
**2) CPIs indesejadas**
O governo não conseguiu conter as assinaturas para a abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Câmara para investigar o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra).
Instalada em 17 de maio após uma série de invasões do movimento social, a CPI do MST é considerada pela oposição como a de maior desgaste a Lula, já que os sem terra são aliados históricos do petista, além de ter maioria de parlamentares ligados à FPA (Frente Parlamentar do Agronegócio).
Apesar de conseguir assegurar maioria em seu favor, o Planalto também não conseguiu barrar a criação da CPI mista que apura os fatos ocorridos nos ataques de 8 de janeiro, em Brasília.
A proposta de uma comissão sobre os ataques de 8/1 partiu dos próprios bolsonaristas, responsáveis pelos ataques golpistas às sedes dos três Poderes. A oposição quer usar a comissão para atacar o que chamam de omissões do governo federal naquele dia.
O governo se viu obrigado a apoiar a criação do órgão depois da liberação dos vídeos do Planalto em 8 de janeiro –episódio que levou à saída do ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Gonçalves Dias. A CPI foi, então, criada em 25 de maio.
**3) Marco do Saneamento**
Em abril, Lula editou decreto para revisar o marco do saneamento, sancionado por Bolsonaro em 2020. O principal ponto do ato era a possibilidade de prestação direta de serviços por estatais dos estados sem licitação.
Cerca de um mês depois a Câmara dos Deputados aprovou um PDL (projeto de decreto legislativo) derrubando as alterações feitas pelo governo federal, por 295 a 136, marcando a primeira derrota do Planalto em uma votação no legislativo.
A Folha mostrou que a derrota no decreto expôs a falta de habilidade de Rui Costa (Casa Civil) e a fragilidade de Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) em manter as estratégias de articulação política no Congresso.
A derrubada das alterações no marco também foi vista como recado a Rui, que gestou a proposta, mas sem combinar com parlamentares antes.
**4) Marco temporal aprovado**
Outro tema onde Lula obteve mais uma derrota foi a aprovação do projeto de lei do marco temporal na demarcação de terras indígenas, aprovado pela Câmara na última terça-feira (30) por 283 e 155.
A tese do marco, defendida pela FPA, determina que as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos na data da promulgação da Constituição Federal de 1988.
O placar do mérito foi menor que o da urgência da proposta, aprovada na semana passada por 324 votos contra 131 –eram necessários ao menos 257 votos. Mesmo com a orientação contrária do governo ao texto, várias siglas da base votaram pela admissibilidade ou liberaram suas bancadas, caso do PSB.
**5) MP da Esplanada**
Editada no dia da posse de Lula, a Medida Provisória de reorganização dos ministérios altera a estrutura de governo, aumentando o número de pastas -de 23 no governo Bolsonaro para 37 com o atual mandato.
Tramitando desde fevereiro, a medida é essencial ao planejamento de políticas públicas federais, e também é parte das negociações do governo com partidos do centro, com a distribuição de cargos.
Para além do atraso na análise da MP devido ao conflito entre Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), envolvendo a formação das comissões mistas que avaliam as medidas, o governo também teve sua política ambiental e indígena desidratada pelo relator e líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões Jr. (AL).
Deputados da oposição e do centrão também enviaram recados ao Palácio do Planalto de que há insatisfação e que poderiam usar a votação da MP para emparedar o governo. A MP foi aprovada nesta quinta no Senado por 51 a 19 e uma abstenção. Se fosse rejeitada, a estrutura ministerial de Bolsonaro voltaria a vigorar, e 14 titulares de pastas perdem o emprego.
MATHEUS TUPINA / Folhapress