BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Deputados alinhados à pauta ruralista querem usar a CPI que deve investigar a atuação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) para endurecer a pena contra a invasão de terras no país.
Parlamentares ouvidos pela Folha de S.Paulo afirmam que um dos objetivos da comissão é avançar com projetos de lei ligados ao tema, aumentando a punição para quem invade propriedades e até mesmo excluindo essas pessoas de programas sociais -caso elas sejam beneficiárias.
Com a perspectiva de que o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente do governo Jair Bolsonaro (PL), seja o relator dos trabalhos, ruralistas dizem que vão atuar para que sugestões de propostas como essas constem no relatório final da comissão.
Nos últimos anos, Salles teve uma relação tensa com os movimentos do campo. Na Câmara dos Deputados, chegou a apresentar um requerimento de criação da CPI do MST, mas optou por retirá-lo para endossar o do deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), que deverá presidir a comissão.
Parlamentares da base dizem, no entanto, que ruralistas têm mencionado essas mudanças legislativas apenas para mascarar a fragilidade da CPI que, segundo avaliam, não tem fato determinado consistente.
Membros do governo Lula (PT) dizem ainda que o Executivo não deixará que os movimentos sociais sejam criminalizados. A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), afirma que o partido deverá indicar “bons quadros” para a CPI.
“O PT deve indicar bons quadros para fazer a defesa do MST. Aliás, nós já passamos por CPI do MST aqui [na Câmara]. Já temos um ‘know how’. Sabemos que ela foi feita para ser um palco político, que não tem conteúdo para instalar uma comissão dessas, não tem nada para ser investigado. Mas nós vamos estar lá”, disse Gleisi à Folha.
Aliados de Lula afirmam ainda que a CPI poderá ser uma oportunidade para “desmistificar preconceitos” contra o MST.
Segundo eles, deverão ser ressaltadas informações sobre a produção de alimentos em assentamentos, assim como a campanha de doação encabeçada pelo movimento durante a pandemia da Covid-19.
A instalação da CPI do MST, prevista para esta quarta (17), se soma à pressão da bancada ruralista para aprovar o PL do marco temporal sobre terras indígenas e esvaziar o julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o tema, que deve ser retomado em junho.
Nos últimos dias, deputados federais também levaram como pleito ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um PL de 2017 que permite a ação policial na retirada de invasores sem ordem judicial. O texto está na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Às vésperas da instalação da CPI, uma simulação de uma cela com pessoas representando bolsonaristas presos, realizada na feira nacional do movimento no sábado (13) em São Paulo, foi alvo de críticas e levou à aprovação de uma moção de repúdio ao MST na Comissão de Segurança Pública da Câmara.
De autoria do deputado Coronel Assis (União Brasil-MT), o requerimento, aprovado por 23 votos a 8, foi citado ao longo do dia como uma prévia dos embates –apesar dos alertas de membros da cúpula da Câmara de que a comissão deve ser técnica e não pode virar um “circo”.
A CPI do MST será formada por 27 titulares e 27 suplentes -nem todos os partidos haviam indicado os parlamentares que devem compor a comissão até a noite de terça-feira (16). As CPIs da Americanas e a das Apostas Esportivas também devem ser instaladas nesta quarta.
Mesmo com ruralistas em cargos-chave, parlamentares afirmam que, mais importante do que o relatório, é a pressão política durante o funcionamento da CPI.
A ofensiva recai não só sobre o MST, mas também sobre o governo.
Cotado para assumir uma cadeira pelo PP, o deputado Evair de Melo (PP-ES), um dos diretores da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), afirma que um dos primeiros convocados deve ser o presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Cesar Aldrighi.
Ele afirma que a CPI também vai querer ouvir, seja por meio de convite ou convocação, ministros ligados ao tema: Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), Carlos Fávaro (Agricultura), Wellington Dias (Desenvolvimento Social) e Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública) -um dos principais alvos da oposição.
“Precisamos abrir essa caixa preta que é a invasão de terras no Brasil. Acho que os ministros precisam ser ouvidos. Esses quatro são ministros que dificilmente não serão ouvidos, até porque têm muito a acrescentar”, diz o deputado.
Como a Folha mostrou, a oposição avalia que a comissão será um ponto de desgaste do governo Lula e poderá dar mais dor de cabeça ao Executivo pela proximidade da entidade com o presidente.
Além de ter seus cargos de comando ocupados por nomes críticos ao petista, a CPI mobiliza parlamentares da FPA, que reúne 300 deputados e é uma das maiores forças da Casa.
Membros da frente parlamentar, inclusive, buscaram líderes partidários para pedir que eles indicassem nomes da bancada ruralista para compor a CPI, em busca de uma maioria da entidade na comissão.
Segundo relatos, a FPA também irá disponibilizar técnicos de sua equipe para auxiliar o trabalho da comissão. Por outro lado, como a coluna Mônica Bergamo informou, o MST terá à sua disposição uma força tarefa de advogados do grupo Prerrogativas.
VICTORIA AZEVEDO E THAÍSA OLIVEIRA / Folhapress