Produtor Roberto Sant’Ana faz 80 anos e lamenta perdas de Gal Costa e Erasmo Carlos

SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – O produtor baiano responsável por tantos começos na história da música brasileira hoje lamenta os muitos finais que vê. Nas redes sociais, Roberto Sant’Ana, que completa 80 anos nesta quarta-feira (19), faz seu inventário de perdas com dolorosa frequência. “Às vezes, estou digitando o texto, paro no meio e começo a chorar.”

O motivo é a partida de muitas pessoas queridas, a maioria ligada à música, como Cynara, do Quarteto em Cy, Fernando Filizola, do Quinteto Violado, Gal Costa, com quem ele compartilhou os primórdios da carreira, e o tremendão Erasmo Carlos.

A dupla se conheceu na gravadora Polygram, então Phonogram, quando Erasmo puxou assunto sobre morar na Barra da Tijuca. “A gente jantava quase toda noite na mesma churrascaria. O mais difícil era quando Erasmo caía bêbado. Eu e Narinha [esposa de Erasmo], para botar aquele homem no carro, era difícil”, conta Sant’Ana. “Além de gentil, Erasmo era caráter à toda prova. Assinava o contrato em branco.”

Elo entre Gilberto Gil e Caetano Veloso em 1963, o produtor foi a amálgama inicial do grupo que também contava com Gal Costa, Maria Bethânia e Tom Zé, quando estrearam todos juntos no teatro Vila Velha, em 1964, graças à atuação de Sant’Ana naquele teatro, em Salvador.

Em 1969, no dia em que o homem pisou na Lua, ele também produziu o show que virou o disco “Barra 69”, a despedida de Gil e Caetano antes do exílio.

Convidado diretamente pelo presidente da gravadora, o baiano se mudou para o Rio e começou a carreira de produtor na indústria do disco. Suas várias incursões pelo Brasil o fizeram lançar artistas como Elomar, Quinteto Violado, Kleiton & Kledir, Fafá de Belém, Alcione, Emílio Santiago e Luiz Caldas.

Em 2018, Fátima Bernardes promoveu um encontro surpresa entre Fafá e Sant’Ana. No Encontro, ela mostrou uma foto de Fafá na adolescência e perguntou o que a imagem lhe lembrava. “Esse foi o dia que Roberto Sant’Ana, a pessoa que me convenceu a ser cantora, entrou num lugar que a gente reunia uns músicos e o pessoal da escola e íamos cantar”, disse Fafá, com a deixa para ele entrar no palco.

Os dois se emocionaram quando o produtor lembrou do pai da cantora, que se tornou seu amigo, mas demorou dois anos para ser convencido a deixá-lo levar Fafá para virar cantora no Rio de Janeiro. “Depois do programa, a gente se abraçou, chorando para caramba.”

Sua entrada no mundo das artes foi um golpe de sorte. Aos 16 anos, Sant’Ana pediu um emprego ao antropólogo Vivaldo da Costa Lima, amigo da família, que arranjou uma vaga no Museu de Arte Moderna da Bahia, comandado por Lina Bo Bardi. “Tudo que sei de formação artística, cultural, de disciplina do trabalho, aprendi com essa mulher”, ele conta.

A convivência com o pessoal do museu rendeu reuniões na casa de Jorge Amado, onde acabou virando compadre de Dorival Caymmi, padrinho de Beto, o primeiro de seus cinco filhos –entre eles, o compositor Lucas Sant’Ana. “Toda vez que me estressava, minha terapia era ir para casa de Dorival.”

No início dos anos 1980, Sant’Ana era diretor do selo Philips, da Polygram, responsável por artistas de peso da música brasileira. À época, apesar da efervescente criatividade, seu primo Tom Zé vivia um ostracismo comercial. “Tentei fazer um grande disco com Tom Zé. Estava tudo aprovado, trouxe ele de São Paulo, mas fomos barrados dentro do estúdio.”

Sant’Ana resolveu ir embora da gravadora, mas antes foi até a sua sala, pegou seus pertences e passou de sala em sala vociferando xingamentos contra os executivos que encontrava. “Depois descobri que não era nada contra Tom Zé. Era contra mim”, diz ele. Na sequência, o cantor viveu uma nova fase de apogeu, desta vez trabalhando com David Byrne.

Apesar das origens em Irará, foi em Salvador que os dois primos passaram a conviver mais. “Nós morávamos na mesma casa, a família toda, com 33 pessoas. Quando nossa secretária dizia que o almoço estava na mesa, era uma correria na escada, porque quem atrasasse não comia”, conta o produtor.

Na sua música “Baião Atemporal” -do disco “Tropicália 2”, lançado em dupla por ele e Caetano Veloso, em 1993-, Gilberto Gil canta que “no último pau de arara de Irará, um da família Sant’Ana viajará”.

Nos anos 1950, graças ao eletricista Alfredo da Luz, o serviço de alto-falante de Irará era uma janela sonora com vista para o mundo. “Está se despedindo o serviço de alto-falante ‘A Voz da Liberdade’. Até amanhã, se Deus quiser e a Companhia de Energia Elétrica da Bahia assim nos permitir”, diz Sant’Ana.

LUCAS FRÓES / Folhapress

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