SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O final de semana retrasado em São Paulo foi de show, pista cheia e gritaria de fãs. Não somente no Autódromo de Interlagos, que recebeu o Lollapalooza. A alguns quilômetros do bairro, na zona sul da cidade, uma casa de show recebeu a primeira apresentação do artista coreano Heo Wonhyuk.
Esse nome não é conhecido nem por muitos de seus fãs, em sua maioria adolescentes e pré-adolescentes. Espremidas em frente ao palco, elas gritavam Bruno ou simplesmente Vapo ao ver o ídolo. Essa é a alcunha preferida do jovem de 20 anos que hoje divide sua vida entre Brasil e Coreia do Sul.
Original de Seul, nascido em 2003, Bruno e a família se mudaram para São Paulo em 2008. Foram mais de dez anos de Brasil quando Bruno teve de voltar junto com seus pais para a Coreia, em 2019. “Quando a pandemia estourou, minha família enfrentou dificuldades. A gente tinha um restaurante, mas fechou”, conta ele.
De volta ao Brasil para apresentação única, o jovem foi recebido com a pompa de uma estrela por cerca de 4.000 jovens que lotaram a Vip Station. Eram muitas garotas, que cantavam as letras de músicas como “Emoji” a plenos pulmões. Uma, mais empolgada, até atirou ao palco uma calcinha com um bordado de pequenas letras douradas em que se lia “Vapo”.
A princípio, Bruno e família voltariam ao país natal em 2019 por algum tempo. Hoje, o jovem e hoje é um nome em ascensão no mercado de música coreano um cenário disputado, com academias de ares militarescos e reality shows gerando astros a toque de caixa.
“Eu usava muito essa gíria, ‘vapo’, no programa High School Rapper, aí acabou pegando,” diz Bruno. Espécie de show de calouros, o televisivo de que ele participou é atualmente uma das principais plataformas para novas estrelas do rap coreano. “Foi uma experiência muito única”, lembra o jovem.
Para ele, a levada brasileira na rima, na métrica e na letra foi fundamental para que chegasse à fase final da competição e conseguisse um contrato com um selo de música coreano. Em “Meu Tempo”, canção que apresentou no programa, o jovem pula entre linhas de português, coreano e inglês com facilidade com expressões como “tá ligado, né, daquele jeito”. Em outro trecho do programa, seus colegas de competição lhe perguntam se havia pessoas com armas nas ruas do Brasil.
“Aqui eles gostam muito dessa pegada brasileira”, diz Bruno. “Além de o Brasil ser do outro lado do mundo, eles sabem que o Brasil é um lugar muito único. Tem uma diferença da música brasileira, o gingado é diferenciado, e eu me esforcei bastante no programa e aí fui até a semi-final.”
Sem muita pretensão no início ”eu me inscrevi no concurso por brincadeira”, diz Bruno, o jovem artista hoje encara uma rotina de estúdio e dedicação à escrita de novas músicas. Até sua estadia na Coreia se transformou em estada por causa da nova profissão.
Quando chegou ao Brasil, em 2008, Bruno foi morar com a família no Bom Retiro, tradicional bairro imigrante da capital. Segundo levantamento mais recente da Polícia Federal, há cerca de 50 mil coreanos no Brasil, muitos dos quais no Bom Retiro, onde Bruno vivia o jovem com pai, mãe e irmã.
A vida do jovem não era tão diferente daquelas de outras crianças estrangeiras ou brasileiras filhos de pais estrangeiros. De coreanos a bolivianos, peruanos, haitianos, muitos enfrentam desafios na infância. “Um dia um amigo me ligou, quando eu era criança, e respondi ‘sim’ para tudo que ele dizia. Aí eu desliguei o telefone e minha mãe perguntou: ‘O que ele disse?”. Eu falei: ‘Não sei'”, lembra o artista, entre risadas.
Pouco a pouco o jovem Heo encontrou seu espaço também como Bruno. Vivendo entre duas culturas, ele se juntou a uma categoria cada vez maior de jovens paulistanos que navegam entre diferentes referenciais das mais recentes ondas de imigração na cidade. “Eu me acostumei com o tempo, e aí levava uma vida como qualquer outro”, diz ele. “Jogava bola, comia feijoada, fazia churrasco. Minha vida era normal.”
Foi nessa época quando o som que lota os celulares de jovens paulistanos entrou na vida de Bruno. “Eu escutava muito rap e funk, teve uma época que eu era funkeiro pra caramba”, conta Bruno. “Escutava MC Kevin, MC Pikachu. Meus pais não entendiam as letras. Em casa, era só música coreana, e eu também escutava rappers coreanos.”
Seguindo uma dinâmica observada no mundo todo, o hip hop é adaptado segundo traços locais ao chegar na Coreia do Sul ao fim dos anos 80. O breakdance fez sucesso antes do rap, que só decolaria nos anos 90 com bandas como Drunken Tiger e artistas como Verbal Jint.
O advento internacional da música coreana jovem e pop nos anos 2000, a chamada terceira onda do k-pop, cria uma divisão no hip hop local: uma ala busca o rap underground enquanto outra entra na via do pop mais próxima do que busca Bruno.
O jovem ressalta que k-pop e k-hip hop têm diferenças principalmente quanto à performance, uma vez que os astros do rap coreano não necessitam executar coreografias detalhadas e tampouco se apresentam como bandas. “Mas ainda assim tem que dançar e cantar, o que é algo bem difícil,” diz Bruno.
Vários grupos de k-pop também têm rappers em suas fileiras. A Seventeen, com 13 integrantes, tem até um sub-grupo de rappers. Outro fator que aproxima ambas as categorias são as letras, quase sempre amenas, mais afeitas ao mundo pop, envoltas em acordes alegres e batidas suaves. “No Brasil, se escreve muito sobre política no rap”, diz Bruno. “Mas aqui na Coreia do Sul, se você escreve sobre política, sua vida já era. Aqui, a gente escreve sobre amor, sobre a vida.”
Muitos fãs de k-pop também têm ídolos no k-hip hop e vice-versa. No caso de Bruno, brasileiros formam boa parte desse séquito. Seus vídeos no YouTube estão repletos de comentários carinhosos em português e seu primeiro show no Brasil foi um sucesso de público.
“Tinha saudades do Brasil, saudades de comer coxinha, açaí. E quero fazer com que minhas músicas cheguem mais ao Brasil”, diz ele, que voltou à Coreia para os ensaios castros após apenas alguns dias em São Paulo. A vinda ao país teria sido oportunidade para realizar um sonho que terá de esperar uma próxima visita. “Eu gostaria muito de fazer feat com o Matuê e com o Teto, eu gosto muito deles, são caras que sabem fazer música.”
FELIPE MAIA / Folhapress