Repressão de Hitler a gays pauta mistério ‘O Crime do Bom Nazista’

FOLHAPRESS – A tradição de romances policiais de Agatha Christie e Arthur Conan Doyle foi assimilada, deglutida e devolvida em uma versão glamurosamente tropical no novo livro de Samir Machado de Machado, “O Crime do Bom Nazista”.

Nele, milionários alemães tomam sopa de tapioca a bordo do LZ 127 Graf Zeppelin, da Luftschiffbau-Zeppelin –que realmente atravessava o espaço aéreo brasileiro na década de 1930.

A trama segue o gênero “whodunnit” e narra a investigação de um assassinato cometido dentro do zepelim, em 1933. Nazistas estão a caminho do Brasil em busca do calor no Rio de Janeiro, contratos vantajosos no comércio de café ou divulgar ideias eugenistas em um congresso em São Paulo.

Como todos são adeptos das teorias supremacistas de Hitler, os personagens tornam-se potenciais assassinos de um homem judeu, homossexual e comunista encontrado morto no banheiro masculino.

A linguagem alterna sofisticação e simplicidade, resultando em um romance com espontaneidade e de leitura saborosa.

A sofisticação aparece já na primeira frase, quando o leitor se depara com a aliteração dos fonemas com a consoante “v”: “Surgiu nos céus de Recife feito uma valquíria, avançando por entre as nuvens com uma serenidade que disfarçava sua marcha veloz”.

Outras construções frasais são mais diretas, como por exemplo, “Bruno engoliu em seco”. É esta mistura que torna o estilo da prosa requintado e básico ao mesmo tempo.

Bruno Brückner é o protagonista da trama narrada em terceira pessoa. Ele é um policial alemão que ostenta um pingente em forma de suástica no terno e uma cicatriz no rosto. Ao leitor é permitido descobrir a origem de tal marca quando o desfecho é parcialmente revelado.

Os diálogos são ágeis, marcados por travessões e recheados de absurdos nazistas como “é preciso branquear a nação” e “somente artistas racialmente puros podem produzir uma arte sadia”. A narração é muito visual. Cada personagem recebe um tipo de ficha policial. Nelas rostos são ovais, testas podem ser imensas e olhares são debochados.

Após o assassinato, Brückner interroga a tripulação. É neste contexto que vem à tona a bagagem da vítima, Otto Klein, com exemplares das revistas Der Eigene e Die Insel, ambas para o público gay. As revistas de fato existiram e foram banidas, com seus exemplares queimados, na Alemanha de Hitler.

Com a revelação, mais significados surgem para o crime. Além disso, descobrem seu passaporte verdadeiro, o do fotógrafo Jonas Kurtzberg, colaborador da Die Insel.

O clima de suspense é interrompido apenas no último e décimo capítulo. É nele que Machado apresentará o passado e as motivações de Kurtzberg. É também o capítulo em que o frescor e o glamour cedem lugar para uma prosa mais melancólica e amargurada, recordando as fogueiras de livros, a violência da juventude hitlerista contra a comunidade LGBTQIA+ e as torturas nos campos de trabalho.

Uma possível chave para entender “O Crime do Bom Nazista” aparece no livro anterior de Samir Machado de Machado, “Tupinilândia”. Nele, Beto, um personagem com uma “voz cheia de dinheiro”, expressão certeira de Fitzgerald em “O Grande Gatsby”, afirma: “Eu adoro filmes com nazistas. Eles explodem, caem de paraquedas, penhascos, a cara derrete e ninguém precisa se sentir culpado em torcer por isso”.

O CRIME DO BOM NAZISTA

Avaliação Muito Bom

Preço R$ 59,90 (128 págs.), R$ 39,90 (ebook)

Autoria Samir Machado de Machado

Editora Todavia

PAULA SPERB / Folhapress

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