Retirada de órgão regulador no PL das Fake News não afasta temor de interferência estatal

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A retirada de um órgão de supervisão no chamado PL das Fake News não afastou o temor de alguns setores de uma eventual interferência estatal na internet.

A preocupação aparece tanto entre segmentos a favor de uma instância de regulação como em outros que são contra.

Isso porque, sem uma previsão específica de quem fará esse papel, a competência de supervisionar as redes sociais pode ser transferida na regulamentação da lei para algum órgão do Executivo, o que poderia ser mais danoso do que se ela ficasse a cargo de uma autarquia independente.

O temor ganhou força após o presidente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Carlos Baigorri, sugerir que a agência exerça a função.

A previsão de um órgão de regulação foi retirada do PL das Fake News pelo seu relator, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), em meio às negociações para conseguir aprovar o texto na Câmara. A votação está prevista para a próxima terça-feira (2). Depois, se aprovado, o projeto segue para o Senado.

Em versão anterior, o texto dava ao Executivo a prerrogativa de criar uma entidade autônoma para regulamentar dispositivos do projeto, fiscalizar o cumprimento das regras, instaurar processos administrativos e aplicar sanções.

O ponto foi alvo de resistência, e bolsonaristas apelidaram o órgão de “Ministério da Verdade”, ainda que ele não tivesse a prerrogativa de retirar conteúdos específicos, decisão que continuaria cabendo às plataformas.

Integrante do coletivo DiraCom – Direito à Comunicação e Democracia e da Coalizão Direitos na Rede, Bia Barbosa afirma que a existência de um órgão independente do governo era justamente o que garantiria a liberdade de expressão, dentro dos limites legais.

Sem essa instância externa com prerrogativas de independência estabelecidas, diz, além da Anatel outros órgãos do Executivo como a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça podem acabar ficando com algumas atribuições de supervisão da lei, o que seria “temerário”.

Em sua avaliação, a retirada do órgão do texto do PL é resultado de dois fatores.

O primeiro, afirma, seria o argumento de que qualquer tentativa de regulação no campo da comunicação fere a liberdade de expressão, o que ela vê como equivocado.

E o segundo fator, em sua visão, foi a falta de apresentação pelo governo federal do que seria esse órgão, inclusive dos mecanismos que garantiriam sua independência, o que abriu brecha para as críticas.

Em nota, a Coalizão Direitos na Rede, que congrega mais de 50 organizações, manifestou-se a favor de uma instância externa de supervisão, mas contra a possibilidade de delegar a tarefa à Anatel.

Entre outros argumentos, afirma que a agência não tem competência nem expertise para regular aplicações de internet e que possui desempenho insatisfatório até mesmo para o seu setor, além de ter reduzida participação da sociedade civil.

Contrário à existência do órgão externo, Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, diz que a retirada dele do texto ameniza, mas não acaba com os problemas do PL.

“O Executivo vem tentando ampliar suas competências para regular a internet há algum tempo. Se um projeto dessa magnitude, complexidade e imprecisão é aprovado, na regulamentação podem aparecer de novo funções que vão ser exercidas pelo Executivo”, diz.

Ele cita como exemplos do avanço do governo federal na questão a criação de uma Procuradoria de Defesa da Democracia, com atribuição de atuar contra desinformação, e a iniciativa da Anatel de tentar entrar na regulação das redes.

Em sua avaliação, o modelo atual previsto no Marco Civil da Internet é o ideal, por manter o devido processo legal e garantir a independência do governo de plantão.

Lemos participou da elaboração dessa legislação, que foi aprovada em 2014 e conferiu ao Judiciário a atribuição de dar a palavra final sobre a retirada de conteúdos nos casos em que houver divergências e só responsabiliza as plataformas se elas descumprirem decisão judicial.

Inspiração do PL das Fake News, o Digital Services Act, da União Europeia, prevê que, no caso das grandes redes sociais, a regulação caberá à Comissão Europeia, braço executivo do órgão.

Ela supervisionará os sistemas que as plataformas implementarem para combater conteúdo ilegal e desinformação. Terá ainda amplos poderes de investigação e supervisão, incluindo a capacidade de impor sanções e soluções.

Autora de “Liberdade de Expressão na Era Digital” (Ed. Fórum, 2022), a advogada Luna Van Brussel Barroso avaliou como uma deficiência importante na versão do PL que previa o órgão a ausência da definição sobre a sua composição.

“O modelo ideal de regulação dessa matéria é por um órgão independente, que tenha composição minoritária do governo e majoritária de representantes da sociedade civil, incluindo o setor empresarial, acadêmico, terceiro setor e comunidade científica e tecnológica”, diz.

Professor da USP e sócio do escritório Opice Blum, Juliano Maranhão defende o modelo da chamada autorregulação regulada.

Nesse desenho, mecanismos e melhores práticas de regulação ficariam a cargo de associações das plataformas, e o Estado validaria códigos e avaliaria relatórios.

Segundo ele, a vantagem seria que, em um ambiente de rápida evolução tecnológica, o setor privado teria mais expertise e agilidade para reagir a novos desafios. Por outro lado, a mera autorregulação também não seria suficiente.

Entre os principais pontos do PL das Fake News estão o dever das plataformas de vetar contas inautênticas e a obrigatoriedade de divulgação de relatórios de transparência sobre moderação de conteúdos.

O projeto também estabelece multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil em caso de descumprimento da lei.

O texto prevê o pagamento por parte das plataformas pelo conteúdo jornalístico utilizado, sem que esse custo seja repassado ao usuário final. Sobre a forma do pagamento, aponta que a pactuação deve ser feita entre as plataformas e as empresas jornalísticas.

As plataformas se opõem à ideia de remuneração, e entre os veículos há dissenso. Entidades como Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) e ANJ (Associação Nacional de Jornais), que reúne os principais veículos de mídia, entre eles a Folha, defendem o PL; veículos menores temem perder financiamento por terem menor poder de barganha.

ANGELA PINHO / Folhapress

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