Revisão de sigilos de Bolsonaro aponta uso do Estado nas eleições, diz CGU

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A revisão de sigilos impostos pelo governo Jair Bolsonaro (PL) indica o uso da máquina pública nas eleições presidenciais de 2022, além de gestão potencialmente irresponsável na pandemia, segundo balanço da CGU (Controladoria-Geral da União).

Desde fevereiro, a pasta reavaliou 254 processos de sigilo da administração bolsonarista e determinou a abertura das informações na maior parte dos casos.

Dentre eles, foram 112 pedidos via LAI (Lei de Acesso à Informação) relacionados a segurança nacional, 38 relativos à proteção de Bolsonaro e seus familiares, 51 dados e informações pessoais e outros 15 relacionados a atividades de inteligência.

Os dados que a Controladoria mandou divulgar neste ano mostram que ficou concentrada em outubro, mês das eleições gerais de 2022, a liberação de empréstimos consignados do Auxílio Brasil.

O uso desse crédito no período eleitoral é um dos argumentos usados em ações no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que pedem que Bolsonaro se torne inelegível por abuso de poder político e econômico.

Informações que se tornaram públicas apenas depois da revisão dos sigilos de Bolsonaro revelaram ainda despesas com cartão corporativo da Presidência da República para abastecimentos em postos de combustível nas datas de motociatas com a participação do ex-mandatário.

Outros processos que perderam sigilo também reforçam indícios de ação da PRF (Polícia Rodoviária Federal) durante o segundo turno direcionada a estados em que Lula (PT) havia sido mais votado na primeira etapa das eleições.

A apuração sobre suposta fraude em registros de imunização de Bolsonaro é outro tema que ganhou projeção a partir de pedidos de informação avaliados pela CGU. A controladoria repassou dados que foram usados pela PF (Polícia Federal) no inquérito que levou à prisão do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e braço direito do ex-presidente.

A reavaliação de sigilos pela CGU ainda permitiu ter acesso a dados sobre medicamentos e outros insumos perdidos pelo Ministério da Saúde. Com base nessas informações, a Folha revelou que perderam a validade durante a pandemia mais de 39 milhões de vacinas da Covid-19, avaliadas em cerca de R$ 2 bilhões.

A Controladoria também determinou a entrega de relatórios elaborados pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para avaliar o avanço do novo coronavírus durante a pandemia, além de telegramas do governo relacionados à compra de vacinas.

Esses documentos, porém, ainda não foram entregues pelos ministérios. É comum que funcionários desses órgãos levem algumas semanas para avaliar se há alguma informação que deve ser tarjada por conter dados pessoais, entre outros, antes da divulgação dos papéis.

A CGU quer expandir o uso da LAI no governo Lula e cita nos debates internos com ministérios que os sigilos impostos durante a gestão de Bolsonaro acabaram se voltando contra o próprio ex-presidente. A Controladoria tem feito conversas com ministros e outras autoridades do governo federal para defendeu o cumprimento da LAI.

“Existe a gestão de consequências em relação à própria demanda da LAI. Às vezes o pedido é por uma informação que o chefe da unidade, do ministério, não conhecia. No processo, ele descobre e corrige”, afirmou à Folha o ministro da CGU, Vinícius de Carvalho.

Para ele, os pedidos de informação ainda podem auxiliar gestores a travar irregularidades ou abrir investigações.

Carvalho reconhece que expandir a LAI pode expor o governo a mais questionamentos. Mas ele minimiza esses riscos e faz um paralelo com o combate à corrupção.

“É um discurso parecido com combate à corrupção. Bolsonaro reduziu o número de operações da PF, que estamos voltando a fazer e, num certo sentido, passa a sensação de que tem mais corrupção quando se combate mais a corrupção”, afirma.

Lula usou os sigilos de Bolsonaro como argumento para pedir votos durante a campanha eleitoral. “Nós temos um presidente que não apenas coloca a sujeira embaixo do tapete como transforma em sigilo de cem anos tudo e qualquer denúncia contra eles”, afirmou o petista em agosto de 2022.

Na próxima terça-feira (16), o governo deve anunciar mudanças no decreto de regulamentação da LAI. “A gente vai cumprir a LAI em nível muito mais intenso do que no governo anterior, mas tem modificações normativas e na própria lei que podem ser feitas e que dependem de um esforço [do governo]”, diz Carvalho.

Uma dessas medidas é permitir à CRMI (Comissão Mista de Reavaliação de Informação) reclassificar documentos considerados reservados e colocados sob sigilo por até cinco anos.

O colegiado atua como última das quatro instâncias de análise dos pedidos de informação. Pela regra atual, esse órgão só pode alterar a classificação de documentos considerados secretos ou ultrassecretos, que ficam sob restrição de 15 e 25 anos, respectivamente.

A CGU também discute como permitir que documentos sejam automaticamente liberados depois de perderem o período de sigilo. Isso porque parte dos processos contém documentos com dados pessoais que devem ser ao menos tarjados.

Uma hipótese é avaliar e tratar esses dados pessoais enquanto o documento está sob sigilo, para ele ser liberado após vencer o prazo de classificação sem que alguém tenha de abrir um pedido via LAI.

Carvalho afirma que há casos em que o sigilo mais longo se justifica, como para documentos que colocam em risco a segurança de autoridades ou da população.

Segundo o ministro, a CGU tem orientado órgãos a aperfeiçoar as justificativas usadas para situações em que o sigilo é necessário.

A leitura da gestão Lula é que o governo Bolsonaro extrapolou a LAI para usar dispositivo da lei que permite restrição de até cem anos a dados pessoais que atinjam a intimidade, vida privada, honra e imagem de alguém.

Esse tipo de restrição foi imposta, por exemplo, ao processo interno do Exército que decidiu não aplicar nenhuma punição ao general Eduardo Pazuello pela participação em um ato político ao lado do então presidente Bolsonaro, em maio de 2021. A CGU também mandou divulgar os documentos sobre esse processo.

JULIANNA SOFIA E MATEUS VARGAS / Folhapress

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