SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) pode julgar nesta quinta-feira (20) a ação conhecida como revisão do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), que definirá se o uso da TR (Taxa Referencial) como índice de correção do fundo é constitucional.
O caso, que tem repercussão geral e deve valer para todos os processos do tipo no país, está na pauta do dia como o primeiro a ser debatido pelos ministros. Essa é quarta vez que a revisão do FGTS pode ser julgada. Antes, foi pautada em 2019, 2020 e 2021.
Hoje, o dinheiro dos trabalhadores no FGTS é corrigido em 3% mais TR, que rende próxima de zero. A ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.090 pede que seja utilizado um índice de inflação, que pode ser o IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial) ou o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).
O caso chegou ao Supremo em 2014, após estudo encomendado pelo partido Solidariedade e pela Força Sindical apontar prejuízo de 88,3% sobre o dinheiro depositado no FGTS de 1999 até 2013. O ano de 1999 foi escolhido como marco porque foi quando a TR passou por modificações, que derrubaram a correção.
Cálculos solicitados pela reportagem a especialistas apontam perdas que podem chegar a quase 200% para valores desde 1999. O prejuízo varia conforme o valor do salário e o tempo de carteira assinada. A diferença entre a TR e os índices de inflação em um prazo de dez anos é de 24%.
Segundo simulações do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador, um profissional que tinha uma conta com saldo de R$ 10 mil em janeiro de 1999 teve uma perda de R$ 66,1 mil com a correção pela TR na comparação com o INPC até março de 2023.
VEJA ALGUNS EXEMPLOS:
Situação – Saldo com TR – Saldo com INPC – Perda total – Perda em percentual
Trabalhador admitido em janeiro de 1999 trabalhando até março de 2023, ganhando um salário mínimo – R$ 24.269, – R$ 40.9270 – R$ 16.658 – 68,64%
Trabalhador doméstico ganhando um salário mínimo (atualmente R$ 1.302) de outubro de 2015 a março de 2023 – R$ 9.734 – R$ 11.795 – R$ 2.061 – 21,17%
Trabalhador que tinha uma conta inativa com saldo de R$ 10 mil desde janeiro de 1999 a março de 2023 – R$ 33.979 – R$ 100.089 – R$ 66.110 – 194,52%
Casos de profissionais atendidos pela advogada Jéssica Ramalho, do escritório Roberto de Carvalho Santos Advogados Associados, apontam perdas que podem chegar a 43,52% para trabalhadores com salários de cerca de R$ 20 mil.
A pedido da reportagem, Jéssica calculou três exemplos de situações em que os profissionais teriam mais vantagem caso o IPCA-E ou o INPC fossem aplicados. Veja os exemplos:
CASO 1
O trabalhador foi funcionário de uma fundação entre 2008 e 2020. Seu salário na época era de R$ 7.483,38. Atualmente, o saldo do FGTS do profissional é de R$ 56.852,82. Se a correção fosse pelo IPCA-E ou pelo INPC, o saldo seria quase R$ 20 mil maior. Veja a comparação:
TR – IPCA-E – INPC – Diferença TR e IPCA-E – Diferença TR e INPC
R$ 56.852,82 – R$ 76.039,73 – R$ 76.411,42 – 33,75% – 34,40%
CASO 2
O trabalhador é empregado de empresa pública desde 2005 e foi afastado em 2021. O último salário foi de R$ 34.558,13. Atualmente, o saldo do FGTS é de R$ 522.190,98. Se fosse utilizado o INPC ou IPCA-E, ele teria R$ 227 mil a mais. Veja a comparação:
TR – IPCA-E – INPC – Diferença TR e IPCA-E – Diferença TR e INPC
R$ 522.190,98 – R$ 744.233,16 – R$ 749.445,89 – 42,52% – 43,52%
CASO 3
O trabalhador é funcionário de uma fundação desde o ano de 2010. Seu salário é de R$ 21.752,63 e o saldo do FGTS está em R$ 228.162,49. Se o dinheiro fosse corrigido pelo IPCA-E ou pelo INPC, o valor seria R$ 84,4 mil maior. Veja a comparação:
TR – IPCA-E – INPC – Diferença TR e IPCA-E – Diferença TR e INPC
228.162,49 – R$ 312.578,54 – R$ 313.420,65 – 37% – 37,37%
Têm direito à revisão do FGTS os trabalhadores com saldo em conta do Fundo de Garantia. Se aprovada a revisão, especialistas estimam impacto de R$ 700 bilhões à Caixa Econômica Federal, administradora do fundo. Cálculos da AGU (Advocacia-Geral da União), apresentados em 2014, apontam rombo de R$ 300 bilhões.
O QUE É A REVISÃO DO FGTS?
É uma ação judicial na qual se questiona a constitucionalidade da correção do dinheiro depositado no Fundo de Garantia. Hoje, o retorno do FGTS é de 3% ao ano mais a TR (Taxa Referencial), que rende próxima de zero. Com isso, a atualização do dinheiro fica abaixo da inflação, deixando de repor as perdas do trabalhador.
Desde 1999, quando houve modificação no cálculo da TR, os trabalhadores acumulam perdas. A revisão corrigiria essas perdas, que chegaram a 88,3% até 2013.
POR QUE SE QUESTIONA A CORREÇÃO DO DINHEIRO?
O motivo é que a TR, usada para corrigir o dinheiro do fundo, tem rendimento muito baixo, próximo de zero, fazendo com que os trabalhadores não consigam repor seu poder de compra com o saldo do dinheiro do FGTS.
Em 2014, data do início da ação, estudo da Força Sindical mostrou que um trabalhador que tinha R$ 1.000 no ano de 1999 no Fundo de Garantia tinha, em 2013, R$ 1.340,47. Se fosse considerada a inflação medida pelo INPC, usado na correção de salários, o valor deveria ser de R$ 2.586,44, uma diferença de R$ 1.245,97.
Na defesa da correção maior, especialistas alegam que o dinheiro do FGTS é renda proveniente do salário e não pode trazer perdas, pois não se trata de um investimento.
QUEM TEM DIREITO À REVISÃO?
Todos os trabalhadores com dinheiro no fundo a partir de 1999 podem ter direito à correção. Segundo a Caixa, há 117 milhões de contas do Fundo de Garantia entre ativas e inativas.
Especialistas calculam que ao menos 70 milhões de trabalhadores podem ser beneficiados. É possível que um trabalhador tenha mais de uma conta, aberta a cada novo emprego com carteira assinada.
A expectativa é que todos tenham seus depósitos corrigidos pela nova regra a partir de então. Para definir questões como o pagamento de valores de anos anteriores, por exemplo, o STF terá de modular o tema.
Na modulação, pode-se decidir que a Caixa deve pagar apenas a quem entrou com ação até 2014 ou até a data em que foi marcado o julgamento ou ainda apenas para os que fazem parte de ações coletivas. É preciso, no entanto, esperar o que Supremo irá decidir e como irá modular a questão.
O QUE É E COMO FUNCIONA O FGTS?
O FGTS funciona como uma poupança para o trabalhador. O fundo foi criado em 1966, com o fim da estabilidade no emprego, e passou a valer a partir de 1967. Todo mês o empregador deposita 8% sobre o salário do funcionário em uma conta aberta para aquele emprego.
Há ainda a multa de 40% sobre o FGTS caso o trabalhador seja demitido sem justa causa. Desde a reforma trabalhista de 2017, há também a possibilidade de sacar 20% da multa após acordo com o empregador na demissão.
QUEM TEM DIREITO AO FGTS?
Todo trabalhador com carteira assinada deve ter o FGTS depositado, o que inclui, atualmente, as empregadas domésticas. Até 2015, não havia direito ao FGTS para esta categoria.
A PEC das Domésticas, porém, trouxe essa possibilidade em 2013, mas a lei que regulamentou a medida e possibilitou os depósitos dos valores por parte dos empregadores passou a valer apenas dois anos depois.
COMO SABER MEU SALDO NO FGTS?
O valor pode ser consultado no aplicativo FGTS, por meio do extrato do fundo. É possível, ainda, conseguir uma cópia do extrato nas agências da Caixa. Para cada empresa em que o trabalhador foi contratado, há uma conta vinculada aberta. É preciso observar o valor em cada conta e somar o quanto tem, ao todo.
– Abra ou baixe o aplicativo FGTS (para o primeiro acesso, é preciso criar senha de acesso)
– Clique em “Entrar no aplicativo”
– Aparecerá a frase “FGTS deseja usar caixa.gov.br para iniciar sessão”; vá em “Continuar”
– Informe seu CPF e clique em “Próximo”
– Digite sua senha e vá em “Entrar”; caso não se lembre, clique em “Recuperar senha”
– Na tela inicial, aparecerão as informações relativas às empresas que trabalhou
– O saldo de valores da empresa atual ou da última empresa na qual trabalhou aparece no topo da tela; clique sobre ela para ver as movimentações
– Para guardar os dados, clique em “Gerar extrato PDF” e salve em seu celular
– Para ver todas as empresas nas quais trabalhou, vá em “Ver todas suas contas”
– Clique sobre cada uma das empresas para abrir o extrato; em cada tela, aparecerá o saldo total
COMO SACAR MEU FGTS?
O FGTS só pode ser sacado em situações específicas, conforme a lei, como aposentadoria, compra da casa própria, demissão sem justa causa ou doença grave. Em 2019, foi acrescentada mais uma situação, que é o saque-aniversário. No entanto, quem opta por essa modalidade não pode fazer o saque-rescisão ao sair do emprego. Vejas 16 situações:
1 – Demissão sem justa causa
2 – Fim do contrato temporário
3 – Compra ou construção da casa própria
4 – Amortização de parcelas da casa própria
5 – No mês de aniversário para quem optou pelo saque-aniversário
6 – Rescisão do contrato por falência ou morte de empregador individual, empregador doméstico ou nulidade do contrato
7 – Rescisão do contrato por culpa recíproca ou força maior
8 – Aposentadoria
9 – Desastre natural, inundações e situações de emergência
10 – Suspensão do trabalho avulso
11 – Morte do trabalhador
12 – Idade igual ou superior a 70 anos
13 – Trabalhador ou dependente portador de HIV
14 – Trabalhador ou dependente com câncer
15 – Trabalhador ou dependente com doença grave ou em estágio terminal por doença grave
16 – Se ficar por três anos seguidos fora do regime do FGTS
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CRISTIANE GERCINA / Folhapress