SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Foi com uma ponta de inveja que Rita Lee falou a este jornal, em 2010, sobre a sua relação com seu eu artístico. A cantora, morta nesta segunda-feira (8) aos 75 anos, revelou na ocasião que separava as duas Ritas, a cantora e a pessoa privada.
“Não dá para dizer ‘eu sou uma e a Rita Lee é outra’. Estamos juntas o tempo inteiro. Eu tenho controle, não é mediunidade. Mas eu não sou ela. Sou boazinha, obedeço, tenho medo de ser rejeitada. E a Rita Lee é o oposto disso. Tem domínio absoluto da situação, o que me mata de inveja”, explicou ela ao jornalista Marcus Preto.
“Pra ser sincera, acho que gosto mais dela do que de mim”, concluiu, depois de dizer que, no começo da carreira, deveria ter feito uma separação mais clara de onde uma Rita começa e a outra termina, a exemplo de Fernanda Montenegro, que criou para si uma persona pública -o nome de batismo da atriz é Arlette Pinheiro.
Capa da revista Serafina, editada pela Folha, de abril de 2010, Rita deixou que a reportagem a acompanhasse por um dia, em Belo Horizonte, às vésperas da estreia de um novo show. Então com 62 anos, a cantora ainda fumava -vício que largou e passou a condenar mais tarde, em especial depois de descobrir um tumor no pulmão, em 2021.
O primeiro cigarro daquele dia foi logo após se levantar, para acalmar o nervosismo de ter que subir ao palco muito em breve. Escoltada pelo maço até o banheiro, Rita ligou para seu produtor para avisar que já estava acordada e pedir o desjejum, uma seleção de café com leite, granola, pão de sete grãos, queijo branco e ovo cozido, acompanhados por jornais.
Enquanto esperava o carro que a apanharia para a passagem de som, no fim da tarde daquele 17 de abril, Rita leu um romance policial e falou sobre como descobriu tarde demais, assim como Rogério Duprat, que não gostava de música.
“Não acompanho nada dessas novidades, nem aqui dentro, muito menos lá fora. Os gringos, quando investem num lançamento que, acreditam, irá vender, cercam-se dos melhores produtores, arranjadores, instrumentistas, figurinistas, bailarinos etc. Não dá para sair um trabalho ruim. A Lady FormiGaga -reparou como ela tem cara de formiga?- é fabricada, sim, mas desempenha bem o papel. A piada é se dizer uma mulher contestadora”, disse em referência a Lady Gaga.
Naquele dia, ela e o marido Roberto de Carvalho, que dormia em outra suíte do mesmo hotel, tiveram um almoço vegetariano. No carro com ele, deixou escapar uma das várias personalidades que criou para si, Gungun, uma órfã de três anos e meio, descrita como carente e chatinha.
Enquanto se preparava para o show, falou novamente sobre a divisão da Rita dos palcos e aquela que se arrumava no camarim. “Vêm me dizer: ‘Ah, você mudou a minha vida, escutei ‘Ovelha Negra’ e resolvi sair da casa do meu pai, por sua causa eu casei, separei…’ Fico pensando: será que conto a verdade? Que não sou quem elas pensam que sou, que não tenho a segurança da Rita Lee, que mal sei o que fazer da minha vida e não sirvo pra guiar a de ninguém?”
Redação / Folhapress