Rita Lee é velada por centenas de fãs no Ibirapuera, em São Paulo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O corpo da cantora Rita Lee, morta nesta segunda-feira (8) aos 75 anos, chegou por volta das 5h ao Planetário do parque Ibirapuera, em São Paulo, onde acontece o velório da artista.

Por volta das 9h30, centenas de fãs já se reuniam fora do Planetário. São pessoas de várias idades, de idosos a adolescentes. Eles cantavam a plenos pulmões sucessos da cantora, como “Lança Perfume” e “Ovelha Negra”.

Admiradores da cantora entram a todo instante no planetário chorando. Alguns deles deixam ao pé do caixão flores e dedicatórias. Fascinada pelo cosmos -assunto frequente em suas canções-, Rita Lee tinha o hábito de visitar o Planetário do Ibirapuera semanalmente. A ideia de realizar o velório lá partiu de sua empresária, Silvia Venna, que teve essa ideia quando a cantora pediu para ir até o local.

No planetário, uma projeção mostra o mapa do céu no dia em que Rita nasceu. Devido à claridade, a projeção não está muito nítida. Reclusa nos últimos anos, a cantora recebeu um diagnóstico de câncer de pulmão em 2021. Após tratamentos, em abril de 2022, a doença teria entrado em remissão.

Filho da cantora, João Lee afirmou que Rita era a sua heroína pela simplicidade e honestidade com as quais encarava a vida. “Era uma loucura a sensibilidade dela para lidar com as pessoas. A forma que ela tinha de se comunicar com o mundo e com o público. É uma pessoa muito única. Tive o privilégio de ter passado 43 anos aprendendo demais com ela”, diz João. “Para mim e para todo mundo, ela vai ser eterna.”

O músico Beto Lee, filho mais velho de Rita e Roberto, afirma que o momento é de uma celebração que vai além da família, dada a presença de várias pessoas comovidas dando adeus à cantora. “Como ela mesma dizia, ela conseguiu entrar nos lençóis coletivos. Estamos aqui para celebrar a vida e a obra da minha mãe”, diz.

“Ficam os ensinamentos, as posições diversas que ela assumiu, as alegrias, a saudade. E a música fica para sempre. Daqui a 300 anos continuarão a ouvir as músicas dela. Estou feliz de estar aqui, apesar de todo o processo que nos trouxe a esse momento.”

Ao sair do velório de Rita Lee, o jornalista Pedro Bial disse que a cantora enfrentou a morte de forma muito corajosa.

“Eu acho que o dia seria mais difícil se a Rita não tivesse facilitado o nosso caminho a partir dela. A coragem que ela teve para enfrentar a vida foi a coragem que ela teve para encontrar a morte”, disse o apresentador. “Rita não fugiu da morte. Dançou com ela e cenografou sua partida no lugar mais extraordinário para ela”, disse ele, referindo-se ao planetário do parque Ibirapuera, em São Paulo. “Rita vai para o céu, que é o seu lugar.”

A cantora Marina Lima, com 67 anos, também se emocionou ao falar de Rita Lee. “É muito difícil falar de seu legado, porque ela é uma mulher imensa. Do tamanho de uma Fernanda Montenegro, é esse o nível. Ela tocou a alma de todos os brasileiros. Essa mulher é um espírito livre que veio deixar uma iluminação para a gente.”

Na fila, uma das pessoas mais emocionadas era Soraia Abras, de 57 anos. Fã de Rita desde a adolescência, ela diz que a cantora é um ícone feminista. “Ela representa tudo na minha vida. Ela é exemplo para todas as mulheres. Sempre lutou para a gente ser livre de toda e qualquer ditadura”, diz ela, usando óculos de lentes vermelhas como os que a cantora usava.

Beatriz Alencar, de 26 anos, faz coro à opinião de Soraia. “Ela significava liberdade feminina. Ela fez coisas que mulheres não faziam na época. As músicas trazem muitas reflexões para a gente. A obra dela é eterna”, diz a tatuadora.

A capixaba Isabella Machado, de 24 anos, ficou dentro do ônibus durante cerca de 17 horas para ir ao velório da cantora Rita Lee, morta nesta segunda-feira aos 75 anos.

Natural de Vitória, capital do Espírito Santo, ela embarcou às 16h de terça e chegou em São Paulo às 9h desta quarta para ir ao velório.

“Assim que eu soube da morte peguei o primeiro ônibus que tinha e vim. Vou embora daqui a pouco. Eu sou muito fã dela. A Rita mudou a minha vida de um jeito que não sei explicar”, diz a advogada. “É mais do que letra. É a presença. A luz dela. Rita representa rebeldia e de vanguardismo.”

Fã da cantora desde pequena, ela diz que a distância não iria impedi-la de se despedir de sua cantora predileta. “Eu ficaria 200 horas no ônibus para ver a Rita.”

A morte de Rita provocou enorme comoção no meio político e cultural. O deputado Eduardo Suplicy disse ao chegar ao velório que Rita foi uma extraordinária cantora e compositora.

“Nós queremos fazer uma homenagem muito especial, porque ela nos deu muita coisa”, disse o parlamentar lembrando que Rita já o convidou para subir no palco durante um show. “E nós dois cantamos Blowin’ In The Wind, do Bob Dylan. Foi uma experiência maravilhosa.”

Conhecida pela irreverência, Rita já escreveu em um livro pedindo que políticos não fossem a seu velório, senão iria se levantar e xingá-los. “Mas tenho certeza de que, no meu caso, ela me trataria como um amigo”, diz ele.

O presidente Lula decretou três dias de luto e afirmou que a cantora é um dos nomes mais geniais da música brasileira.

A ministra da Cultura Margareth Menezes se emocionou ao saber da morte e pediu um minuto de silêncio durante uma audiência em que participava no Senado. Artistas como Fafá de Belém, Carlinhos Brown, Anitta, Marisa Monte e Xuxa lamentaram a morte da cantora. “Comadre Rita, Anibal, cabrinha, caprichosa capricorniana, amiga. Descansa, minha irmã. Amo você”, escreveu Gilberto Gil.

A cantora despontou no cenário musical na década de 1960, com a banda Os Mutantes, formada por Rita, e os irmãos Sérgio e Arnaldo Baptista. Eles produziram cinco discos, entre 1968 e 1972, que combinaram o turbilhão rock que girava pelo mundo a uma visão peculiar da música brasileira.

Após sair da banda, em 1972, Rita seguiu carreira solo e lançou o álbum “Atrás do Porto Tem uma Cidade”, em 1974, acompanhada pela banda Tutti Frutti, com quem gravaria também os próximos quatro álbuns. Com dez faixas, o disco inclui “Eclipse do Cometa”, “De Pés no Chão” e o sucesso “Mamãe Natureza”.

Em 1975, o disco “Fruto Proibido” marcou a nova fase da cantora e uma ruptura na música brasileira. Com capa cor-de-rosa e canções com temática feminina, como “Luz Del Fuego”, “Ovelha Negra” , “Agora Só Falta Você” e “Esse Tal de Roquenrou”.

Em 1976, foi presa por porte de drogas, em um raro momento que estava sóbria. “Se tivessem vindo uns dois meses atrás, iam achar muita coisa, mas agora estou grávida e não tem nem bituca aqui”, disse aos policiais que entraram em seu apartamento. Rita estava no terceiro mês de gravidez de um namorado recente, Roberto de Carvalho, guitarrista da banda de Ney Matogrosso.

Quando ela teve um sangramento na prisão, Elis Regina foi à delegacia e não saiu de lá até que um médico fosse chamado, em um episódio que deu início a uma forte amizade entre as duas.

Após o nascimento do primeiro dos três filhos do casal, Rita deixou os Tutti Frutti e iniciou com o marido a terceira fase de sua carreira, que seria a definitiva e a mais bem-sucedida. Entre o final dos anos 1970 e início dos 1980, explodiu com uma trilha sonora autobiográfica do casal apaixonado, em que uma mulher pela primeira vez cantava sem pudor sobre desejos sexuais.

Em uma sequência de hits que fariam dela um fenômeno do mercado fonográfico, convidava o parceiro para relaxar na banheira, sem culpa nenhuma, em “Banho de Espuma”. A vestir fantasias e tirar a roupa, molhada de suor de tanto se beijar em “Mania de Você”. A ficar de quatro e exigir “Vê se me dá o prazer de ter prazer contigo” em “Lança Perfume”, que ganhou versões em várias línguas, hebraico inclusive.

Ela só não fazia sucesso com censores. Em 1981, por exemplo, das 30 músicas que submeteu à Censura, só nove foram liberadas para a gravação do LP “Saúde”. Quase todas explodiram nas rádios. No ano seguinte, o LP “Flagra” vendeu dois milhões de cópias.

Em 1991, lançou o LP “Bossa’n’roll”, seu projeto financeiramente mais bem-sucedido. Mas a cantoria viu seus problemas com álcool e drogas aumentarem, motivo pelo qual recebeu um ultimado do marido e decidiu morar sozinha em um sítio. Em 2005, porém, ela se afastou de vez das drogas depois do nascimento do nascimento da primeira neta.

Após a aposentadoria dos palcos, em 2013, viveu com Roberto em uma casa de campo onde pintava, cozinhava, escrevia e cuidava dos bichos de estimação que lhe fizeram companhia.

MATHEUS ROCHA E CAIO DELCOLLI / Folhapress

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