Sérgio Dias, que toca com Mutantes em SP, diz que história com Rita Lee é só sua

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ex-cunhado de Rita Lee, Sérgio Dias não quer falar sobre a antiga companheira de Mutantes. “Desculpe, mas não vou entrar nessa porta”, diz o guitarrista, em uma de suas primeiras entrevistas após a morte da cantora, no último mês de maio. “Não vou falar mais nada. Isso é meu –e de mais ninguém.”

Apesar de terem construído juntos, também com Arnaldo Baptista, uma das histórias mais importantes da música brasileira, o trio se desintegrou a partir dos anos 1970. Hoje, é Dias quem mantém os Mutantes ativos, desde a década de 2000, lançando álbuns e enchendo casas de shows pelo mundo.

Nesta quinta-feira (1º), a banda faz sua primeira apresentação em solo brasileiro depois que Rita Lee morreu. O grupo toca no Cine Joia, casa na região central de São Paulo, antes de ir até Ribeirão Preto, no interior do estado, onde se apresenta como parte do festival João Rock, no fim de semana.

Eles vieram de uma série de shows nos Estados Unidos, onde Dias mora há quase 15 anos, e depois seguem para mais uma maratona na Europa. É uma atividade na estrada tão ou mais intensa que qualquer encarnação dos Mutantes –com ou sem Rita e Arnaldo.

“O lugar onde me sinto inteiro mesmo é no palco. Nunca tive um pingo de nervosismo. É a minha casa”, ele diz. Aos 71 anos, contudo, o mais jovem dos Mutantes originais diz sentir o cansaço do ritmo intenso. “Agora, estou com um problema, uma vértebra fora do lugar. Estou tendo que tocar sentado, o que é uma merda. Andar em aeroporto está quase impossível. Tenho pedido cadeira de rodas.”

Os Mutantes rodam o mundo desde 2007, quando Dias reuniu a banda –sem Rita e, depois, sem Arnaldo– para shows em Londres. As apresentações viraram rotina, e desembocaram em álbuns de inéditas. Primeiro, “Haih or Amortecedor”, de 2009, depois “Fool Metal Jack”, de 2013, e mais recentemente “ZZYZW”, de 2020.

A força motriz da banda atualmente é a guitarra preciosa de Dias, uma entidade da música brasileira desde os anos 1960. É ela quem guiava os Mutantes já em “Tudo Foi Feito Pelo Sol”, de 1974, quando ele tentou manter a banda em atividade após as saídas de Rita e Arnaldo –que eram um casal e haviam se separado.

Aquele disco, aliás, marca a fase de rock progressivo da banda e foi inteiro gravado em um único take, sem overdubs, e com quase todos os integrantes sob efeito de LSD. “Sim. Os técnicos de som não acreditaram”, ele lembra. Só quem não tinha usado ácido era o tecladista Túlio Moreno, sendo que os Mutantes também tinham o baterista Rui Motta e o produtor Liminha, então no baixo.

Na fase clássica, diz Dias, não havia drogas. “Eu tinha 16 anos, você acha que o [Gilberto] Gil ia me dar um baseado? Num fodendo! Ele não era louco. Eles tinham responsabilidade. Nos blindaram muito nesse sentido, de ter nossa vida saudável. Agora, a gente era tão ou mais loucos do que eles.”

Nos anos 1960, os Mutantes foram fundamentais no estabelecimento da tropicália. A guitarra barulhenta de Dias misturada à orquestração de Rogério Duprat e ao violão de Gil “Domingo no Parque” foi uma das inovações estéticas do movimento.

Ela foi também um dos motivos pelos quais a plateia do teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1968, se revoltou e atirou pedras no palco durante a apresentação de “É Proibido Proibir”. Na ocasião, Caetano Veloso cantou a música acompanhado pelos Mutantes.

E também em seus discos próprios, hoje clássicos, os Mutantes eram um poço de inventividade. Dentro do estúdio, o trio usava a criatividade para conseguir registrar em disco as maluquices que passavam em suas cabeças.

Por exemplo, para obter efeito semelhante ao das caixas Leslie, muita usada em gravações clássicas de rock psicodélico, Dias conta que eles rodavam um fone em torno do microfone. “Eram adaptações de coisas que não existiam no Brasil, e que a gente também nem sabia que existia”, ele diz.

No fim de “Panis et Circenses”, o “Danúbio Azul” no fim da gravação foi obtido depois que o guitarrista desligou o pedal de wah-wah e o som de alguma rádio surgiu como interferência. “Os técnicos de som foram geniais de não terem desligado.”

Foi também a guitarra de Dias que, de maneira indireta, levou à prisão de Caetano Veloso pela ditadura militar, em 1968. Isso porque o trecho do hino nacional na guitarra tocada por ele, num show na boate Sucata com Caetano, Gil e Gal Costa, foi a justificativa dada pelo regime para o prisão.

“Recentemente vi uma entrevista do Caetano ao Pedro Bial e fiquei muito, mas muito mal”, diz. “Me cobrei muito pelo fato de, quando estávamos na França, eu não tê-lo visitado na Inglaterra [durante o exílio]. Mandei um e-mail para ele, dizendo, ‘como pude ser tão cretino?’. E ele disse, ‘mas você era uma criança’. Olho minha vida, e há muitas dentro de uma só.”

Em algumas dessas vidas, Rita Lee é protagonista, desde os encontros na casa da família dela, na Vila Mariana, ou na Pompeia, da família dele, no início dos anos 1960. Após o fim dos Mutantes, Dias ainda manteve algum tipo de contato esporádico com ela nas décadas seguintes.

Nos últimos anos, entretanto, a relação entre eles azedou. Prova disso são os relatos pouco apaixonados de Rita Lee no livro “Uma Autobiografia”, de 2016, e de Dias quando teve que responder sobre o assunto à imprensa.

Hoje, ele pede privacidade e diz que seus sentimentos sobre a relação com a cantora ou já foram expressados previamente ou estão em sua obra. No Facebook, na ocasião da morte de Rita, ele escreveu que “Deus se curva para ela passar”. “Meu amor… foi encontrar o amor”, escreveu.

No passado, Dias já revelou que sentiu os Mutantes preteridos quando Rita Lee lançou “Build Up”, seu disco solo de 1970 –ela ainda estava na banda. Também já disse que sentia que Rita o atrelava ao irmão de uma maneira negativa, já que ela e Arnaldo tiveram um relacionamento complicado.

Há menos de seis meses, no podcast Inteligência Ltda, o guitarrista afirmou que escreveu a música “Everywhere I Go”, de 2000, depois de ter uma conversa franca com Rita no fim dos anos 1990. Ele tinha sido convidado por ela para ver um show da cantora.

Com letra em inglês, o eu-lírico parece oferecer um ombro amigo a uma pessoa que diz não conseguir ficar feliz por mais de cinco minutos, e para quem o álcool já não faz diferença. Diz também que “estarei lá por você” em “todos os lugares que for”.

OS MUTANTES EM SÃO PAULO

Quando: Qui (1º), às 22h

Onde: Cine Joia – pça. Carlos Gomes, 82, Liberdade

Preço: A partir de R$ 80

Link: https://cinejoia.byinti.com/#/event/os-mutantes

LUCAS BRÊDA / Folhapress

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