RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Juros altos, poder de compra fragilizado e paralisações de fábricas. Segundo analistas, esses fatores explicam em grande parte o desempenho recente da indústria automotiva no país.
Em abril, a produção nacional de veículos automotores, reboques e carrocerias caiu 4,6% ante março, apontam dados divulgados nesta sexta-feira (2) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
De acordo com o órgão, a atividade foi uma das principais responsáveis pela retração da produção da indústria como um todo no mesmo período (-0,6%), ao lado de produtos alimentícios (-3,2%) e máquinas e equipamentos (-9,9%).
No caso dos veículos, a baixa veio após dois meses de estagnação. A variação foi nula (0%) em fevereiro e março. “Automóveis e caminhões, que são os itens de maior peso na atividade, tiveram queda na produção [em abril]”, disse André Macedo, gerente da pesquisa do IBGE.
A fraqueza ocorre em meio à expectativa do setor pelo avanço do programa do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para baratear os preços de carros populares.
Na visão de Antônio Jorge Martins, coordenador de cursos automotivos da FGV (Fundação Getulio Vargas), o projeto tende a elevar as vendas caso saia do papel, mas não deve resolver todos os problemas que freiam o setor.
O professor estima que os custos de produção dos automóveis aumentaram em torno de 55% após os impactos da pandemia, que paralisou fábricas devido à escassez de insumos como semicondutores.
Enquanto isso, o projeto do governo prevê baixar em até 10,96% os preços dos carros populares a partir da redução de impostos, segundo informações divulgadas na semana passada.
“Essa medida, de maneira isolada, não reverte a crise do setor. A elevação dos custos foi de 55%, e a redução dos preços é de até 10%, 11%”, diz Martins.
“Terá movimentação nas vendas? Claro. Um prenúncio disso é que muitos consumidores estão deixando de comprar agora [para esperar o programa], mas não resolve a crise como um todo”, acrescenta.
O gerente de estudos econômicos da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), Jonathas Goulart, vai na mesma linha.
Ele afirma que o projeto “tem méritos”, mas é mais voltado para o curto prazo e não deve aumentar a produtividade em um período mais longo.
“O setor automotivo depende muito das condições de crédito e do poder de compra da população. A gente entende que isso se resolve mais com uma reforma tributária ampla”, avalia.
O economista Rafael Cagnin, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), afirma que o projeto do governo para carros populares deve ser interpretado como uma medida anticíclica, ou seja, que busca estimular as vendas em meio a um período de dificuldades.
O programa, contudo, não pode ser confundido com política industrial, que teria como objetivo transformar a estrutura produtiva em direção a uma modernização e a ganhos de produtividade, diz Cagnin.
Para o economista, é possível que o pacote não cause “efeitos muito profundos”, já que o consumo no país vem sendo impactado por fatores como juros altos e endividamento.
“Dentro dos bens duráveis, os veículos estão entre os itens de maior valor unitário. É um mercado que depende de financiamento. Temos um bloqueio aí”, afirma.
Cagnin acrescenta que, se o pacote demorar para entrar em vigor, pode gerar um efeito contrário ao pretendido no curto prazo, porque consumidores tendem a aguardar pela confirmação dos descontos, postergando os negócios.
CONCESSIONÁRIAS COBRAM PRESSA DO GOVERNO
Nesta sexta, a Fenabrave, que representa as concessionárias, disse que a média diária de venda de automóveis e veículos comerciais leves vem caindo no país. Saiu de 8.420 unidades em abril para 7.560 em maio, totalizando 166.361 emplacamentos.
“Com esse resultado, o mês de maio, excluindo o do ano de 2020, quando vivíamos o auge da pandemia e muitas concessionárias estavam apenas com suas oficinas abertas, se tornou o pior desde 2016, para esses segmentos”, disse em nota o presidente da Fenabrave, José Maurício Andreta Júnior.
Ele ainda cobrou urgência na implementação das medidas prometidas pelo governo. O líder empresarial disse que tem recebido ligações de filiados alegando paralisação nas vendas, com os consumidores em compasso de espera pelo projeto.
Ao comentar os dados da produção industrial de abril, André Macedo, do IBGE, avaliou que o desempenho da indústria de veículos reflete os impactos restritivos dos juros altos.
Segundo o pesquisador, a inadimplência elevada e o endividamento das famílias também afetam o ramo.
Macedo ainda citou uma dificuldade do setor para obtenção de componentes eletrônicos, acompanhada do registro de paralisações, reduções de jornadas e férias coletivas em fábricas.
PRODUÇÃO QUASE 20% ABAIXO DO PRÉ-PANDEMIA
De acordo com o IBGE, a produção de veículos, reboques e carrocerias acumula baixa de 3,5% no ano (até abril) e alta de 4,3% em 12 meses.
O segmento está 19,7% abaixo do nível pré-pandemia, de fevereiro de 2020. A produção da indústria como um todo está 2% abaixo, segundo o instituto.
Consultada pela reportagem, a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) não se manifestou sobre os dados publicados pelo IBGE.
Segundo balanço divulgado em maio pela entidade, a produção nacional de veículos contabilizou 178,9 mil unidades em abril. O número representou uma baixa de 19,4% ante março.
A Anfavea atribuiu o resultado a paralisações de fábricas. De 13 registradas no ano, 9 ocorreram em abril.
Para a indústria como um todo, analistas projetam um ano morno em termos de produção. A avaliação é que os efeitos dos juros e a perspectiva de desaceleração da atividade econômica jogam contra um desempenho mais firme.
“O ano de 2023 é de ajuste. A materialização das metas fiscais é importante para sinalizar o direcionamento das políticas do governo. A indústria está sofrendo o efeito da taxa de juros, e a gente espera um crescimento bastante tímido”, diz Jonathas Goulart, da Firjan.
A eventual redução da taxa básica de juros (Selic) no segundo semestre só deve ser sentida com mais intensidade pelo setor a partir de 2024, prevê Rafael Cagnin, do Iedi. “Este ano deve ser mais do mesmo.”
LEONARDO VIECELI / Folhapress