STF suspende julgamento sobre correção do FGTS após pedido de vista de Kassio

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Kassio Nunes Marques, do STF (Supremo Tribunal Federal), pediu nesta quinta-feira (27) vista no julgamento que discute uma possível mudança na correção de valores dos trabalhadores depositados no FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).

A ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.090 discute a constitucionalidade das atuais regras de correção e, a depender do resultado, pode elevar os valores a que os trabalhadores têm direito.

Hoje, o fundo rende 3% ao ano mais TR (Taxa Referencial), que tem ficado próxima de zero. O pedido é para substituir a taxa por um índice de inflação, que pode ser o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) ou IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial).

O ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação, já apresentou seu voto no último dia 20, defendendo que o FGTS tenha ao menos a remuneração da poupança —que paga atualmente 6,17% ao ano mais TR (veja simulações aqui).

O ministro, no entanto, limitou os efeitos da mudança, definindo que a nova correção passe a valer apenas a partir da publicação da ata de julgamento, deixando para trás os valores retroativos.

O voto de Barroso foi seguido por André Mendonça, que acrescentou entendimento de que a correção pela TR é inconstitucional.

Nunes Marques argumentou que votar a matéria na próxima semana ou na seguinte “não trará prejuízo para os titulares de depósitos fundiários” e que, sagrada vencedora a tese do relator, o ajuste só seria feito em meados do ano que vem.

Ele explicou que o seu pedido de vista foi motivado por um apelo feito em material levado pela AGU (Advocacia-Geral da União) a seu gabinete, nesta quarta-feira (26),

O ministro disse que ainda não conseguiu concluir a análise sobre a possibilidade de a União enfrentar um cenário em que seria obrigada a complementar depósitos fundiários e que se deparou com números “um pouco assustadores” para o ano de 2024, como o de que a União eventualmente teria que complementar entre um R$ 1,5 bilhão e R$ 5,4 bilhões.

Barroso disse que também recebeu o documento da AGU que noticia riscos de prejuízos ou oneração. Porém, afirmou que o próprio órgão, nos autos do processo, diz que desde 2019 vem pagando acima da caderneta de poupança.

O ministro acrescentou que o órgão também diz que a rentabilidade acumulada do FGTS para os trabalhadores, desde o início da distribuição do resultado em 2017, referente a 2016, supera o IPCA além da poupança.

Além disso, afirma que, se prevalecer a decisão do reajuste pela caderneta de poupança, menor e mais conservador investimento do mercado, será preciso aumentar os juros cobrados de quem contrata financiamento com recursos do FGTS. Também seria necessário atribuir à sociedade o custeio dos juros baixos, por meio de aportes do orçamento geral da União.

“Se é um benefício para toda a sociedade o financiamento habitacional, faz todo o sentido que saia do orçamento de toda a sociedade e não de uma poupança que foi concebida para garantir ao trabalhador condições de vida quando ele seja demitido”, afirmou.

Já o ministro Luiz Fux pediu para que Nunes Marques considere, durante sua análise, o direito de propriedade do trabalhador, não levando em conta só as despesas para o poder público.

“Toda apropriação deve preceder uma justa indenização”, afirmou, em concordância com as observações feitas por Barroso nesta quinta-feira.

“Estamos discutindo a recomposição do poder de compra do trabalhador. O FGTS visa atender o trabalhador quando se desfaz o vínculo empregatício”, afirmou.

Para Fux, nada impede reajuste por um índice que efetivamente representa o poder de compra do trabalhador.

A ADI 5.090 chegou ao Supremo em 2014, após estudo encomendado pela Força Sindical e pelo partido Solidariedade indicar perdas de 88,3% no FGTS entre 1999 e 2013.

O tema divide especialistas. Para alguns, é correto definir mudanças daqui para frente, pois a dívida a ser paga —estimada em R$ 661 bilhões— afetaria toda a sociedade.

Outros apontam que a indicação de apontar a correção da poupança como o mínimo mostra uma vitória, porque traria ganhos melhores do que os atuais para os trabalhadores. Há ainda quem defenda a inconstitucionalidade da TR, a aplicação de um índice de inflação e o pagamento dos atrasados.

Na quarta-feira (19), a AGU pediu ao Supremo a extinção da ação. Em memorial encaminhado aos ministros, o órgão que representa o governo sustentou que as leis 13.446/2017 e 13.932/2019 já alteraram a remuneração das contas, pois o FGTS começou a distribuir uma parcela de seus lucros aos cotistas.

“Com isso, a remuneração das contas passou a ser influenciada, não apenas pela correção monetária (com base na TR), mas também pela capitalização de juros de 3% ao ano e pela distribuição dos resultados positivos auferidos”, disse o órgão.

Para a AGU, a mudança afasta integralmente o argumento central do autor da ação de que a correção não acompanharia a inflação, em prejuízo financeiro aos trabalhadores.

ENTENDA A REVISÃO DO FGTS

A revisão do FGTS é uma ação judicial na qual se questiona a constitucionalidade da correção do dinheiro depositado no Fundo de Garantia. O pedido é para que a TR, usada como índice de correção, seja substituída por um índice de inflação, como INPC ou IPCA-E. O caso chegou ao Supremo em 2014, após o partido Solidariedade ingressar com uma ADI.

POR QUE SE QUESTIONA A CORREÇÃO DO DINHEIRO?

A TR tem rendimento muito baixo, próximo de zero, fazendo com que os trabalhadores não consigam repor seu poder de compra com o saldo do dinheiro do FGTS. Diversos cálculos apontam perdas que vão de 24% nos últimos dez anos a até 194% para quem tem valores no fundo desde 1999.

Em 2014, data do início da ação, estudo da Força Sindical mostrou que um trabalhador que tinha R$ 1.000 no ano de 1999 no Fundo de Garantia tinha, em 2013, R$ 1.340,47. Se fosse considerada a inflação medida pelo INPC, usado na correção de salários, o valor deveria ser de R$ 2.586,44, uma diferença de R$ 1.245,97.

Na defesa da correção maior, especialistas alegam que o dinheiro do FGTS é renda proveniente do salário e não pode trazer perdas, pois não se trata de um investimento.

QUAIS OS PRÓXIMOS PASSOS DA REVISÃO DO FGTS?

Agora, os trabalhadores devem esperar a devolução do processo por parte do ministro Kassio Nunes Marques e novos votos dos ministros para que o julgamento chegue ao final. Não há data para a retomada. Além disso, após a decisão, se a revisão for realmente aprovada, poderá haver embargos de declaração, que é um pedido para esclarecer algum ponto da decisão.

QUEM TEM DIREITO À REVISÃO?

Trabalhadores com dinheiro no fundo desde 1999 podem ter direito à correção maior. Segundo a Caixa, há 117 milhões de contas do Fundo de Garantia entre ativas e inativas.

Especialistas calculam que ao menos 70 milhões de trabalhadores podem ser beneficiados. É possível que um trabalhador tenha mais de uma conta, aberta a cada novo emprego com carteira assinada.

A expectativa é que todos tenham novos depósitos corrigidos pela nova regra a partir de então. Para definir questões como o pagamento de valores de anos anteriores, por exemplo, o STF terá de modular o tema.

O QUE É E COMO FUNCIONA O FGTS?

O FGTS funciona como uma poupança para o trabalhador. O fundo foi criado em 1966, com o fim da estabilidade no emprego, e passou a valer a partir de 1967. Todo mês o empregador deposita 8% sobre o salário do funcionário em uma conta aberta para aquele emprego.

Há ainda a multa de 40% sobre o FGTS caso o trabalhador seja demitido sem justa causa. Desde a reforma trabalhista de 2017, há também a possibilidade de sacar 20% da multa após acordo com o empregador na demissão.

Colaboraram Cristiane Gercina, Fernando Narazaki e Ana Paula Branco

CONSTANÇA REZENDE / Folhapress

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