SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os primeiros projetos enviados por Tarcísio de Freitas (Republicanos) à Assembleia Legislativa de São Paulo escancararam a crise entre o governador e sua base de apoio, dimensionaram o risco que representa a oposição e geraram críticas até ao presidente da Casa, André do Prado (PL), aliado do Palácio dos Bandeirantes.
O projeto que subiu o salário mínimo no estado para R$ 1.550, aprovado no último dia 10, e o que concede aumento para policiais civis e militares, que deve ser votado nesta terça-feira (23), chegaram à Alesp no último dia 2 sob um clima de cobrança de deputados da direita a Tarcísio.
Desde o início do governo, os parlamentares, sobretudo os bolsonaristas, reivindicam gestos de Tarcísio, como distribuir emendas e cargos, dar acesso a decisões do governo e demonstrar alinhamento com a agenda ideológica de Jair Bolsonaro (PL).
O governador, por sua vez, busca blindar sua gestão de influências partidárias e tem se posicionado ao centro, inclusive buscando boa relação com o governo Lula (PT). Como mostrou a Folha, Tarcísio coloca sua atuação política em segundo plano e evita subir no palanque para a eleição de 2026.
O descuido com as relações políticas em oposição ao esmero na gestão pode custar o futuro eleitoral de Tarcísio, na opinião de estrategistas que o aconselham a contemplar aliados. Deputados querem fazer chegar ao governador o recado de que sua base não está sólida.
A proposta para as polícias gerou insurgência na base, o que pegou o governo de surpresa. Na quarta (17), Tarcísio admitiu haver insatisfação e disse que a gestão talvez tenha “falhado na comunicação do projeto e do conceito do reajuste”.
“Existe um desconforto em relação à comunicação, reconhecido pelo André e pelo Tarcísio. É normal no início do mandato. Isso vem sendo ajustado. O governador fez reuniões, explicou e tem cumprido suas promessas”, afirma o aliado Lucas Bove (PL).
Só em 2022, os ex-governadores João Doria e Rodrigo Garcia (PSDB) pagaram mais de R$ 1,28 bilhão em emendas extras para deputados da base –o dobro do gasto com emendas impositivas, que são obrigatórias e distribuídas igualmente. Como revelou a Folha, o pagamento era atrelado ao apoio político e à aprovação de projetos.
Integrantes do governo minimizam os embates políticos e afirmam que Tarcísio não deve manter o esquema de emendas tucano, mas que prefeitos e deputados terão demandas de suas regiões atendidas.
A articulação política fica a cargo do secretário Gilberto Kassab (PSD) e do líder de governo, Jorge Wilson (Republicanos).
Por tratarem de aumento salarial, esses dois projetos (polícias e salário mínimo) deveriam representar um início tranquilo para Tarcísio na Casa, já que a oposição de esquerda, com 24 das 94 cadeiras, também vota a favor nesses casos.
Auxiliares do governador vislumbram mais tensão em projetos polêmicos, como a privatização da Sabesp e a redução do gasto mínimo com educação.
Mesmo esses primeiros testes, porém, trouxeram dificuldade para o governador. Houve resistência por parte da bancada da bala, que representa parcela importante do eleitorado de Tarcísio, e manifestação de policiais na Assembleia.
Os deputados da segurança tiveram que se explicar a seus eleitores por causa dos diferentes valores para cada categoria e porque o texto previa, sem que soubessem, maior desconto aos aposentados.
O vazamento de uma mensagem de um assessor do secretário de Segurança, Guilherme Derrite, acusando a bancada da bala de traição e ameaçando retirar o projeto, agravou a crise.
Foram necessárias reuniões entre o grupo de quase dez deputados e o governador para conter a rebelião. Tarcísio se comprometeu a retirar a questão dos aposentados e a enviar novos projetos no futuro para contemplar classes policiais insatisfeitas. Ele argumentou que o aumento médio de 20% era superior ao concedido em gestões anteriores.
Os parlamentares, então, passaram a ocupar a tribuna para defender o projeto e Tarcísio, mas a cicatriz com o eleitorado ficou evidente nos discursos, que pediam um voto de confiança da população ao governador.
Há ainda críticas, feitas reservadamente pela base e publicamente pela oposição, ao fato de o governo não aceitar que o texto seja modificado –algo visto como intransigência de Tarcísio e submissão de André.
Nem alterações vindas da base foram aceitas pelo relator, o deputado Carlos Cezar, líder do PL, sob o argumento de que aumentariam o custo do projeto –de R$ 5 bilhões por ano. Uma emenda do deputado Major Mecca (PL) passou a ser defendida pelo PT, mas não há expectativa de seja aprovada.
“Acho péssima a postura do Executivo, porque é um governo que tem o diálogo como mote, mas não participamos da construção do projeto”, diz o bolsonarista Gil Diniz (PL). “É prerrogativa do Executivo fazer o projeto, mas é do Legislativo melhorá-lo. Fica como lição. Ainda bem que aconteceu num projeto que será aprovado de qualquer forma.”
Deputados ouvidos pela reportagem consideram que privar o Parlamento de alterar o texto do Executivo rebaixa o papel dos deputados e lembram que André foi eleito presidente com a promessa de dar protagonismo à Casa.
Em uma palestra para empresários na segunda (15), ao lado de Tarcísio, André afirmou que o Legislativo não é carimbador dos projetos do governo e rasgou elogios ao governador.
Até agora, eles seguem alinhados, inclusive com o presidente dando celeridade aos dois projetos, que devem ser aprovados em menos de um mês –na mesma lógica que regia as gestões tucanas.
“Me choca o ambiente aqui”, diz Donato (PT), que foi vereador por 18 anos. “O governo quando manda um projeto tem que deixar uma margem para a negociação. Na Câmara, nenhum projeto do Executivo sai como entrou. O Legislativo ser carimbador é muito ruim para o conjunto da Casa.”
Ele diz que André “se submeteu aos caprichos do governo” e que era “hora de estabelecer uma relação, que pode ser de parceria, mas que tenha o mínimo de altivez e participação”.
Há deputados, por outro lado, que defendem André e dizem que projetos futuros darão brecha para participação do plenário. Em votações anteriores, o governo acatou emendas.
A oposição tem sido outro entrave para Tarcísio. A votação do reajuste para a polícia já foi adiada duas vezes por obra do PT –o aumento só será pago a partir de agosto, de qualquer forma. Mais numerosa que na legislatura anterior, quando tinha 15 vagas, a esquerda agora tem mais mecanismos de obstrução.
Na aprovação do salário-mínimo, porém, o líder do PT, Paulo Fiorilo, disse ter feito um gesto ao governo. Segundo ele, se não fosse pela esquerda, não haveria deputados suficientes no plenário. Já aliados de Tarcísio argumentam que estavam na Casa e desceriam ao plenário para votarem se fosse preciso.
CAROLINA LINHARES / Folhapress