SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um projeto de lei apresentado pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) para aumentar as taxas judiciárias tem enfrentado resistência de entidades de advogados no estado.
As taxas são cobradas de quem apresenta uma ação na Justiça. Os valores costumam ser pagos por advogados e depois devolvidos pelo cliente, que pode solicitar ao juiz a isenção por falta de recursos.
Os valores praticados atualmente no estado estão previstos em uma lei de 2003, e a cobrança ocorre em diferentes etapas do processo judicial. Segundo a proposta apresentada em outubro de 2021, a taxa inicial aumentaria de 1% do valor da causa para 1,5%, ou seja, um acréscimo de 50%. Outros custos também seriam elevados.
O TJ-SP afirma que o aumento das taxas é necessário para tornar o valor mais “condizente com o custo do serviço público prestado”. Em 2022, o tribunal arrecadou cerca de R$ 1,5 bilhão com taxas processuais no estado, quase 10% do orçamento atual, de R$ 15 bilhões.
Se for aprovado pela Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), a previsão é de um aumento de R$ 400 milhões na arrecadação, que, segundo o TJ, seria usado para melhorar a estrutura dos prédios dos fóruns, sistemas e equipamentos de informática, instalar novas varas e contratar estagiários.
Outro efeito esperado é a redução de processos.
Na terça-feira (6), a seccional paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) lotou a galeria da Assembleia para protestar contra a votação do requerimento de urgência para aprovação do texto, o que levaria o projeto ao plenário sem passar por outras comissões da Casa separadamente.
Atualmente, a proposta é analisada pela Comissão de Finanças.
A votação chegou a ser iniciada, com 26 votos a 4 pela aprovação, mas o quórum de 48 deputados não foi atingido. Em clima de torcida, advogados comemoraram o adiamento da análise. A expectativa é que ela seja retomada nesta semana.
A presidente da OAB-SP, Patrícia Vanzolini, afirmou que o adiamento da votação foi uma primeira vitória. “Reconhecemos como fundamental, acima de tudo, o amplo debate sobre o texto que afeta diretamente a sociedade e a advocacia paulista”, disse.
Em nota conjunta, a OAB-SP e outras entidades, como a AASP (Associação dos Advogados de São Paulo), IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo) e IAB Nacional (Instituto dos Advogados Brasileiros), contestam a justificativa do tribunal e afirmam que faltam estudos para demonstrar a necessidade de aumentar as taxas.
Por causa do volume de processos no estado, o grupo afirma que o tribunal já é o que mais arrecada com custas processuais. Elevar as taxas serviria, dizem, para bancar despesas gerais que devem ser custeadas por meio da arrecadação de impostos.
Na justificativa do projeto, o tribunal cita um levantamento do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para demonstrar que São Paulo tem uma das menores taxas iniciais cobradas no país.
Em uma ação de R$ 100 mil, por exemplo, o custo inicial da ação no tribunal paulista, de R$ 1.000, fica atrás apenas do cobrado pelos tribunais do Distrito Federal, R$ 599,25, e de Alagoas, R$ 849,78.
Segundo o tribunal, o baixo custo estimula consumidores de outros estados a acionar a Justiça paulista contra empresas sediadas em São Paulo, levando a um acúmulo de processos.
O vice-presidente da OAB-SP, Leonardo Sica, diz que é falacioso citar o dado das taxas iniciais de forma isolada, sem considerar outras cobranças feitas pelo tribunal.
Um estudo feito pela comissão de jurimetria da seccional afirma que é preciso observar o poder aquisitivo das partes envolvidas na ação, além da despesa total do tribunal e outros elementos, para dizer se a cobrança é compatível.
Para o advogado Henrique Ávila, ex-conselheiro do CNJ e um dos coordenadores do grupo autor do anteprojeto de Lei de Custas em trâmite no Congresso Nacional, o projeto é necessário.
“Precisamos racionalizar o modelo atual, impactando menos a população e direcionando cada vez mais os custos a quem realmente se vale do sistema e ajuíza uma ação, por exemplo”, diz.
A gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) evita se posicionar na disputa. O secretário de Governo de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), disse que a gestão compartilha a preocupação com o adequado financiamento do Poder Judiciário e sua necessária valorização, mas entende que o momento econômico exige cautela.
“O governo recomendou aos líderes [do governo na Alesp] que examinem com cuidado o tema, apreciando a matéria com o objetivo de manter o equilíbrio entre as necessidades do Judiciário e a atual capacidade financeira de São Paulo”, afirmou.
Vice-presidente da Alesp e presidente da Comissão de Finanças, o deputado Gilmaci Santos (Republicanos) diz que cada deputado tem um posicionamento pessoal em relação ao texto, negando que essa seja uma disputa entre base e oposição.
Ele avalia que será preciso que os dois lados da disputa cedam um pouco para chegar a um denominador comum que leve à aprovação na Casa.
Alex Madureira (PL), relator do projeto na Comissão de Finanças, concorda com a afirmação do tribunal de que há margem para algum reajuste nas taxas.
Deputados de oposição ao governo têm se posicionado contra o texto por entenderem que ele prejudica o acesso à Justiça, argumento também usado pelas entidades da advocacia e rejeitado pelo TJ-SP.
Em maio, o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) promoveu uma audiência pública em que foram expostos argumentos contrários ao projeto. Os deputados negociam para as próximas semanas outra reunião aberta para debate, uma demanda das entidades da advocacia.
Para Giannazi, é papel do Governo de São Paulo suprir as necessidades do tribunal, evitando o aumento das taxas. Em discurso na tribuna durante a tentativa de aprovar a tramitação da urgência na terça-feira, ele afirmou que Tarcísio “prefere jogar essas custas para a população pagar”.
O deputado diz que o aumento penalizaria os servidores da Justiça e dificultaria o acesso da população mais pobre, mas reconhece que o tribunal cedeu em alguns pontos, como alterar o custo de diligências de oficiais de Justiça.
O TJ-SP, por sua vez, afirma que o projeto “não interfere em nada no benefício da gratuidade processual”, que pode ser solicitado por pessoas de baixa renda para evitar o pagamento das taxas.
GÉSSICA BRANDINO E RENATO BROCCHI / Folhapress