CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Ao apurar o caso do suposto telefonema do juiz Eduardo Appio ao filho do ex-relator da Lava Jato Marcelo Malucelli, o corregedor regional da Justiça Federal da 4ª Região, Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, indicou que o magistrado de primeira instância pode ter violado ao menos seis normas previstas no Código de Ética da Magistratura e na lei que regula a atuação dos juízes.
O corregedor lembrou que os fatos ainda serão apurados por meio de processo administrativo disciplinar, com defesa e prévia manifestação do juiz, mas antecipa que foi possível identificar algumas violações.
Segundo Leal Júnior, ao fazer ligação utilizando identificador bloqueado e se passando por terceira pessoa (um servidor que não existe, da área da saúde da Justiça), o juiz Appio, responsável pela Lava Jato no Paraná, estaria violando trecho da lei no qual o magistrado tem o dever de “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”.
A ordem de afastamento provisório contra Appio foi expedida pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) na segunda-feira (22), em meio a uma investigação iniciada a partir da gravação de um telefonema para o filho de Marcelo Malucelli.
O material foi enviado à Polícia Federal, que já informou que laudo pericial “corrobora fortemente a hipótese” de que a voz é do juiz Appio.
No telefonema gravado, ocorrido em abril, o interlocutor aparentemente tenta confirmar o vínculo do filho com Marcelo Malucelli. Também questiona ao fim: “O senhor tem certeza que não tem aprontado nada?”, no que foi interpretado como possível ameaça.
As supostas condutas do juiz Appio também violariam os artigos 16 e 10 do Código de Ética da Magistratura, segundo a apuração preliminar do tribunal. O primeiro diz que o magistrado “deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função”. Já o artigo 10 diz que “a atuação do magistrado deve ser transparente”.
Ainda dentro do Código de Ética da Magistratura Nacional, o corregedor também indica violação ao artigo 37, que não permite “procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções”, e ao artigo 4º, que exige do magistrado um comportamento “eticamente independente”, que “não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega”.
Por fim, ao questionar outra pessoa sobre a possibilidade de “ter aprontado”, o magistrado pode ter ofendido o “dever de urbanidade”, previsto em outro trecho do artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura.
Leal Júnior afirma que a norma “não se dirige, de modo estrito, apenas, aos outros personagens do processo, mas alcança a todos aqueles que atuam no processo e com quem o magistrado se relaciona -fora e dentro do processo (no que se inclui, aliás, o desembargador-relator de correição parcial, cabendo observar, de toda sorte, que o filho do desembargador é advogado)”.
O ex-relator Marcelo Malucelli deixou os casos da Lava Jato em abril após ser criticado por vínculo do filho dele com o hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR).
O filho de Malucelli, o advogado João Eduardo Barreto Malucelli, é sócio do senador e da deputada federal Rosangela Moro (União Brasil-SP) no escritório Wolff Moro Sociedade de Advocacia.
Além disso, João Eduardo é namorado da filha do casal de parlamentares.
A apuração sobre Appio tramitou sob sigilo. O caso só se tornou público a partir nesta segunda, quando o corregedor levou o assunto para os membros da corte especial administrativa, que decidiram pelo afastamento provisório.
Em seu voto, o corregedor narra que, em 13 de abril, o juiz Appio acessou um processo no qual era possível ver os dados do advogado João Eduardo Barreto Malucelli, como o número de celular.
Minutos depois do acesso, Appio teria ligado para o celular do João Eduardo, fingindo ser um funcionário do TRF-4. João Eduardo desconfiou do contato, colocou a ligação em “viva-voz”, e outra pessoa começou a gravar o diálogo. O vídeo com a conversa foi entregue à Polícia Federal, que fez uma perícia e concluiu, com que a voz era mesmo do magistrado, segundo o corregedor.
Durante a ligação telefônica, o magistrado não se apresentou como tal e disse que era um servidor da área da saúde do tribunal, que havia encontrado valores a devolver ao desembargador relativos a despesas médicas inseridas no Imposto de Renda, mas que não queria incomodar o juiz de segundo grau, daí o contato que estava fazendo com o filho.
Segundo o corregedor, a frase final, sugerindo que o advogado estivesse “aprontando”, pode reforçar a interpretação de que o juiz Appio tentou fazer “algum tipo de intimidação, constrangimento ou ameaça” ao magistrado de segundo grau ou ao seu filho.
CATARINA SCORTECCI / Folhapress