Em meio a escândalos e investigações na corte americana após revelações da ex-funcionária Frances Haugen, o Facebook anunciou oficialmente a troca o nome da empresa-mãe das redes sociais de Mark Zuckerberg. Em um reposicionamento, motivado pelo projeto de metaverso, um dos grupos mais poderosos do mundo da tecnologia vai passar a se chamar Meta.
Na prática, a mudança tem mais efeito no mundo corporativo do que nas suas operações e serviços: tanto a rede social Facebook, quanto Instagram e WhatsApp seguem sem nenhuma alteração e estão sob o controle da gigante – Zuckerberg, inclusive, continuará como presidente executivo da Meta. A nova alcunha, porém, chega em um momento em que Zuckerberg vê a sua criação ser alvo de milhares de documentos vazados que comprovam que a estratégia, nos últimos anos, foi crescer a qualquer custo, inclusive sobre a saúde mental de seus usuários.
Para João Vitor Rodrigues, professor de marketing digital da ESPM-Rio, o movimento tem ares de “cortina de fumaça” e pode ser pouco efetivo na empresa em relação ao seu público.
“Do ponto de vista de marketing, isso não é um problema. Às vezes acontece de precisar fazer uma mudança na marca porque ela expandiu para outros segmentos, por exemplo. Mas, no caso do Facebook, em particular, tem muito a ver com todos os problemas. Desde a Cambridge Analytica, com tudo o que o Facebook vem enfrentando de denúncias, essa mudança me parece uma medida oportunista”, explica Rodrigues ao jornal O Estado de S. Paulo.
Quanto ao reposicionamento de marca, existe uma comparação feita com frequência no caso do Facebook que está dentro do mundo da tecnologia: em 2015, o Google criou a Alphabet, um conglomerado que abriga a empresa, o YouTube, o Android e projetos futuristas como o de carros autônomos, por exemplo. A mudança foi uma reestruturação de equipes e significou uma inclusão significativa de serviços, mas, para o mundo, a Alphabet continua sendo o Google – é isso que Rodrigues acredita que pode acontecer com o Facebook.
“Assim como no exemplo da Alphabet, que não entrou no senso comum, a minha aposta seria de que qualquer que seja a marca que o Facebook crie como empresa guarda-chuva, muito provavelmente vai continuar sendo uma sombra perto do nome Facebook”, afirma Paulo Rená, professor de Direito no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Metaverso é narrativa principal
Em setembro, o Facebook anunciou um investimento de US$ 50 milhões para construir o Metaverso. A empresa afirmou que os recursos seriam usados ao longo de dois anos para garantir que as tecnologias do projeto sejam “construídas de uma forma inclusiva e empoderadora”.
Com isso, a empresa trabalharia com foco em um grande mundo virtual, e não apenas em redes sociais. A estratégia, claro, parece chegar convenientemente em um momento no qual a companhia precisa fugir de escândalos na nova era. O Facebook tem, hoje, mais de 10 mil funcionários focados na construção de dispositivos, como óculos de realidade aumentada, que ajudariam a acessar o metaverso da empresa. Na visão de Zuckerberg, esses dispositivos serão tão onipresentes quanto smartphones no futuro.
Nesta quinta-feira, 28, o evento Facebook Connect apresentou o que seria o metaverso da empresa – ou a ideia de como ele pode ser construído. Com ares de game, a empresa imagina um plano de longo prazo a ser implementado na próxima década. O evento de apresentação, porém, reuniu algumas das funcionalidades que o universo virtual poderá ter – a interação com outras pessoas à distância foi o foco da construção da plataforma, com representações holográficas e com avatares customizáveis.
A criação tecnológica, porém, ainda não parece uma realidade tão próxima. Rodrigues afirma que a narrativa do metaverso, por si só, não teria o peso necessário para sustentar o movimento da empresa.
“O Facebook está antecipando a ideia de uma mudança no projeto (com o metaverso) que não está nem muito claro sobre o que se trata. A impressão é que foi uma estratégia de desviar a atenção, e não justifica a troca do nome”.
Mesmo sem prazo para ser apresentado como realidade, o metaverso pode ser um grande impulsionador de marketing. Rená acredita que, uma das hipóteses é que o novo nome possa ser exatamente uma estratégia de divulgação do universo virtual planejado por Zuckerberg.
Me dê motivo
Em linhas gerais, a mudança de nome da empresa-mãe do Facebook chama a atenção porque passa pelo olhar de dois personagens da gigante: os investidores e os usuários. Enquanto o público tende a receber a mudança com um aspecto oportunista, o mercado de investidores do Facebook deve entender a troca como um movimento positivo.
“Vai crescendo aos olhos da população a percepção de que cada vez mais a empresa acumula problemas e apresenta soluções aquém do que seria necessário para resolver graves questões sociais que ela vem, se não criando, alimentando”, afirma Rená.
De acordo com Rená, o movimento de desassociar a imagem de Zuckerberg do Facebook como um todo pode ajudar caso a empresa seja desmembrada – em processos antitruste nos Estados Unidos, alguns legisladores sugerem que a companhia precisa vender suas redes sociais para acabar com um monopólio na internet.
Caso a separação aconteça, uma operação desmembrada, sob o guarda-chuva da Meta, permitiria aos investidores um impacto muito menor nas ações. “Não tenho muitas ilusões de que o mercado desconfie do Facebook. Acho que a empresa não vai conseguir criar uma aura que sobreponha seus problemas, mas pode ser uma estratégia para já preparar um eventual sucesso no processo do enfrentamento de truste ou da concentração de mercado”, explica Rená.
Por outro lado, o novo nome pode oferecer um pouco mais de clareza. “A forte identificação do nome da empresa com apenas um de seus produtos pode dificultar o entendimento por parte dos consumidores sobre quem ou quais marcas fazem parte do mesmo grupo ou empresa”, explica Carlos Affonso Souza, diretor do ITS-Rio.
Seja qual for o movimento, a única certeza do Facebook é que a empresa está diante de uma crise que não tem previsão de passar. Na sexta-feira, 22, um consórcio chamado “The Facebook Papers”, formado por 17 veículos jornalísticos dos Estados Unidos, incluindo New York Times, CNN e Washington Post, começou a publicar detalhes de documentos vazados da companhia de Mark Zuckerberg.
Os arquivos mostram que o Facebook foi alertado por funcionários sobre a disseminação de desinformação e discurso de ódio antes das eleições americanas de 2020 e também em países como a Índia. Além disso, pesquisas internas da empresa revelam que os algoritmos da plataforma impulsionam conteúdos de movimentos conspiratórios como o QAnon. Outro documento revela como o Facebook está lidando com as consequências de ferramentas que se tornaram o DNA da rede social, como o botão “curtir”.
Agência Estado.