SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Procura-se mãe com experiência, de preferência branca, para cuidar de um bebê de seis meses e uma criança de cinco anos em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo. As tarefas incluem dar banho, preparar comida, entre outros serviços domésticos.
Esse foi o perfil descrito em um dos 285 anúncios de vagas de emprego analisados em um artigo recém-publicado nos Cadernos Ebape.br, periódico online mantido pela FGV Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas). A pesquisa discute as influências do racismo e do sexismo no recrutamento do mercado de trabalho.
As buscas foram feitas em junho do ano passado na rede social LinkedIn e nos sites Catho, Vagas.com e Trovit, que reúnem oportunidades de emprego.
Os pesquisadores dizem ter dado início à pesquisa depois da repercussão do caso de uma cuidadora de Minas Gerais que denunciou, em 2019, um anúncio da Home Angels Centro-Sul. No anúncio, a empresa de cuidadores de idosos estabelecia algumas exigências: mínimo de três meses de experiência e as candidatas não poderiam ser negras e gordas.
À época a Home Angels afirmou que a responsável pelo anúncio não possuía vínculo com a empresa e não havia sido autorizada a divulgar vagas em nome deles. Também afirmou que “repudia com veemência todo e qualquer ato de injúria racial ou racismo, em todas as suas formas de manifestação”.
Segundo Luís Fernando Silva Andrade, professor-assistente da Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) e um dos autores do artigo, ao procurar por termos em referência à pele negra, os pesquisadores encontraram somente vagas de ações afirmativas.
“Mas, quando a gente buscou por pele branca ou nariz fino, olhos claros, cabelo liso, que são características normalmente vinculadas a pessoas caucasianas, a gente viu, sim, anúncios que trouxeram esses elementos como fator de predileção.”
Em uma das ofertas analisadas, por exemplo, um empregador procurava uma mulher de meia-idade e preferencialmente branca para cuidar de um idoso com 86 anos. “A pessoa a ser cuidada tem limitações imutáveis nesta altura de sua vida (Alzheimer)”, justifica o anúncio.
As vagas que indicavam explicitamente a prioridade por trabalhadoras brancas -como os anúncios em busca de babá, em Pindamonhangaba, e de cuidadora, em Araxá- foram todas encontradas no Trovit, um agregador que reúne oportunidades de emprego divulgadas por outros sites, como o Infojobs e o Netvagas. Andrade afirma que a situação é mais comum para vagas de empregadas domésticas e cuidadoras.
No entanto, a maioria dos anúncios analisados nas plataformas informava que o candidato deveria ter “boa aparência”, segundo a pesquisa. Para os autores, o termo é usado como um eufemismo para apontar predileção por pessoas brancas.
“A boa aparência é vinculada a características de pessoas negras, que historicamente são vistas como sujas. O cabelo, as tranças, os dreads. Isso tudo são exemplos de características que as pessoas relacionam com corpos que não estão limpos. Também tem a questão de relacionar corpos negros a trabalho pesado, suor e odores”, diz Andrade.
Procurado pela Folha, o LinkedIn afirma que apoia iniciativas que estudam como tornar anúncios de emprego mais igualitários e que pesquisas como a publicada no periódico da FGV são bem-vindas. “A política global de anúncios de vagas do LinkedIn proíbe a discriminação em anúncios de emprego com base em características protegidas, incluindo idade, gênero, identidade de gênero, religião, etnia, raça, nacionalidade, deficiência e orientação sexual.”
A Vagas afirma que retirou os termos “boa aparência” e “higiene pessoal” de anúncios veiculados em seu site. A plataforma diz que não compactua com qualquer prática discriminatória nem aceita termos que possam expressar tal atitude. Ainda segundo a Vagas, embora as empresas sejam responsáveis pelo conteúdo publicado nos anúncios, a plataforma tem uma equipe responsável por checar as informações.
Já a Catho afirma que o conteúdo das vagas veiculadas em seu site é de total responsabilidade dos anunciantes. A plataforma diz que exclui anúncios que contenham termos discriminatórios e ofensivos quando identificados.
O Trovit não respondeu à tentativa de contato da reportagem até a publicação deste texto.
Uma lei federal, de 1995, proíbe qualquer prática discriminatória e que limite o acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção.
Segundo a advogada trabalhista Larissa Salgado, sócia do escritório Silveiro Advogados, termos como “boa aparência” são subjetivos e devem ser evitados na seleção de um empregado porque podem gerar o entendimento de que há discriminação.
Segundo a especialista, há algumas atividades em que o empregador pode pedir algo específico ao profissional. “Quem trabalha em cozinha tem que ter unha curta e usar touca, por exemplo. Mas, quando eu for fazer o processo seletivo, isso vai ter que estar muito claro”, diz.
PAULO RICARDO MARTINS / Folhapress