FOLHAPRESS) – Alguns dias antes da estreia de “Velozes e Furiosos 10”, usuários do Twitter questionavam qual foi o exato momento em que a franquia decidiu abandonar a realidade em prol de cenas de ação cada vez mais estapafúrdias, dignas de episódios do Looney Tunes.
Exemplos mostrando carros sendo projetados de um arranha-céu para outro em Abu Dhabi, personagens escapando da morte certa sem explicações, um Chevette indo para o espaço e até o protagonista Dominic Toretto pronunciando “Brasil” perfeitamente foram compartilhados.
Apesar da proposta bem-humorada, ninguém parecia estar engajando na brincadeira em detrimento dos filmes, mas, sim, exaltando a sinceridade com que a série abraçou o espetáculo estúpido conforme os capítulos progrediam.
Mais de vinte anos depois do seu início, a história que começou como um simpático thriller envolvendo policiais infiltrados em gangues de racha em Los Angeles e acabou evoluindo para uma novela de espionagem high tech global só poderia chegar ao fim como um estrondo –e não como um suspiro.
A primeira de três partes desse finale coloca o protagonista Dominic Toretto, interpretado por Vin Diesel, contra o mais insano, megalomaníaco e imprevisível dos seus vilões: um carioca, Dante Reyes, interpretado por Jason Momoa. O personagem, filho do chefão do crime do quinto filme ambientado no Rio de Janeiro, está atrás de vingança pela morte do pai e do roubo da sua fortuna ilegal.
Momoa mira o zelo quase deontológico à família. É essa relação de afetos que sustenta a franquia entre os seus excessos. No decorrer dos filmes, ver os atores principais interagindo entre si como amigos de colégio enquanto planejavam assaltar um cofre dentro de uma delegacia de polícia, ou sequestrar um submarino nuclear no meio da Antártica, por vezes colocava na tela interações de sensibilidade que compensava as cenas e situações tresloucadas. É sempre mais divertido desafiar as leis de Deus e da física entre amigos.
Talvez aí também esteja parte considerável do afeto do público pela franquia. Toretto e seus amigos nunca perderam sua essência de azarões comuns. Seguem sendo ex-criminosos do subúrbio de Los Angeles que calham de salvar o mundo às vezes. Na foto do seu casamento, Dominic está de regata no altar. Seu princípio familiar é simples e inconciliável porque às vezes é o que resta para muitos seguirem em frente.
Era também pela família e não por civis inocentes que Dominic salva o mundo incontáveis vezes. Tudo que não orbita a família é mero apêndice nesse universo –não à toa a maioria dos vilões tem ligações pessoais com Dominic e seu grupo. A família vem sempre em primeiro lugar, independente da destruição de desenho animado que isso possa causar.
O antagonista da vez respeita o mesmo código, mas perdeu seu porto seguro quando seu pai entrou no caminho de Don e sua família. “A morte é um desfecho misericordioso quando seu inimigo merece sofrer” é a fala que dita seu desejo de vingança.
Jason Momoa entrega a melhor atuação do filme e o melhor vilão de toda a franquia. Seu Dante, no início, parece mais uma tentativa de introjetar drama exagerado em um antagonista de blockbuster –uma constante no cinema americano desde o Coringa de Heath Ledger.
Mas logo seu estilo flamboyant e seu humor crasso se mostram mais um comentário sobre essa tendência do que um desejo de segui-la. Um pastiche de vilão desequilibrado executado por um ator de proficiente sensibilidade cômica. O resultado nunca é amedrontador, mas oferece a estupidez autoconsciente que faltava para um vilão da série.
“Velozes e Furiosos 10” engata o fim de uma das franquias mais estapafúrdias, melodramáticas, sem sentido e irreverentes do cinema moderno. O estranho equilíbrio entre esses elementos distinguia os melhores e piores filmes da série. Esse capítulo se encaixa no primeiro grupo. A família tem mais dois filmes para alcançar níveis ainda maiores de ação nonsense e drama rocambolesco. Não há porque desejar que pisem no freio.
Lá pelas tantas, encurralado em uma barragem entre dois caminhões lotados de explosivos, Dominic Toretto encara o vilão e diz “você tirou tudo de mim, mas esqueceu de tirar o meu carro”. Ele acelera, fluido nitro percorre pistões hidráulicos e o carro arranca a 150km/h em direção ao incerto. É o tipo de coisa que vai fazer falta.
VELOZES E FURIOSOS X
Onde: Nos cinemas
Classificação: 14 anos
Elenco: Vin Diesel, Michelle Rodriguez, Jason Momoa
Direção: Louis Leterrier
Avaliação: Muito Bom
JOÃO MONTANARO / Folhapress