Verba e mata atlântica desafiam megaobra de R$ 1,7 bilhão do Exército

RECIFE, PE (FOLHAPRESS) – Em 23 de março de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) descerrou uma placa para lançar a pedra fundamental da futura Escola de Sargentos do Exército na região metropolitana do Recife.

Parecia o ato irreversível de um megaprojeto avaliado em R$ 1,74 bilhão, iniciado na década passada e cujas obras, que nem começaram, podem se prolongar por dez anos.

Desde o evento, porém, surgiram dúvidas sobre o empreendimento que movimenta políticos de quatro estados, sobretudo de Pernambuco.

Em Minas Gerais está a atual ESA (Escola de Sargento de Armas) de Três Corações, cidade que ainda se debate contra a perda iminente de um dos pilares de sua economia e de sua fama —neste quesito a ESA só é superada pelo filho mais ilustre da terra, Pelé.

Rio Grande do Sul e Paraná, onde ficam Santa Maria e Ponta Grossa, municípios finalistas, ao lado do Grande Recife, de um processo iniciado com 16 concorrentes, em tese estão conformados, mas o envolvimento direto de seus governadores e prefeitos no processo indica que seguem em alerta para o caso de eventuais problemas com a sede eleita.

O anúncio da escolha de Pernambuco pelo Alto Comando do Exército foi feito em outubro de 2021. A cúpula da corporação destacou a união de políticos, empresários e sociedade pernambucana em torno do projeto como um dos diferenciais, e dá como certo que a escola será instalada lá.

Ambas as partes ressaltam o potencial econômico e social da obra, que geraria emprego e renda —o efetivo passaria de 6.000 pessoas, entre alunos e corpo administrativo, e a folha salarial é estimada em mais de R$ 211 milhões anuais.

Mas falta definir de onde sairá a verba de um empreendimento que há dois anos era orçado em cerca de R$ 1 bilhão e agora está ao menos R$ 740 milhões mais caro

—alguns já arredondam o valor para R$ 1,8 bilhão.

O Exército inicialmente planejava usar na obra o dinheiro que visa arrecadar com a venda de um terreno que possui em Brasília próximo à antiga Rodoferroviária. Ali, o Governo do Distrito Federal (GDF) projeta construir um novo bairro. Mas é possível que leve muito tempo até o dinheiro sair, a depender de negociações com GDF e incorporadores.

O Exército diz que, ao tomar ciência do projeto, o ministro da Defesa, José Múcio, se comprometeu a buscar recursos do Orçamento da União para garantir a obra.

“Nós achamos uma excelente ideia do ministro Múcio. Ele acha que daria celeridade ao processo, que se o recurso orçamentário fosse garantido e regular, a gente poderia ganhar de um a dois anos”, afirma o general Richard Nunes, chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército e ex-comandante militar do Nordeste —neste último cargo participou do processo que escolheu Pernambuco.

O deputado federal Augusto Coutinho (Republicanos-PE), um dos coordenadores da bancada pernambucana na Câmara, confirma a inflexão em relação ao plano original.

“Está de fato havendo uma reavaliação para arrumar outras fontes, inclusive para não se esperar o processo de efetivação dessa venda [do terreno do Exército]. Isso já é uma ideia do novo governo, de Múcio com o presidente Lula.”

Múcio diz que não é bem assim e continua contando que a verba virá do terreno.

“Primeiro a gente precisa decidir se vai ser em Pernambuco, e eu conto que será. O Exército está determinado a gastar, eu apenas falei: olha, é uma obra tão importante que eu me disponho a dar uma ajuda com o Orçamento.”

Indagado se o presidente Lula está a par do projeto, Múcio afirmou que “en passant”.

O Exército também conta com o Executivo estadual e a bancada pernambucana no Congresso —que já destinou R$ 15 milhões em emendas para o empreendimento.

A contrapartida do governo do estado, inicialmente divulgada como de R$ 330 milhões, será de R$ 110 milhões. Nem 10% do total, como frisou o comandante do Exército, general Tomás Paiva, ao apresentar o projeto numa audiência na Câmara.

O complexo foi abraçado pelo ex-governador Paulo Câmara (PSB), e agora a gestão de Raquel Lyra, que também apoia a empreitada, criou um grupo para acompanhar sua implantação.

Enquanto isso, desenrola-se um impasse ambiental.

O terreno reservado para as obras, no município de Abreu e Lima, dentro do Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti, do Exército, fica dentro da APA (Área de Proteção Ambiental) Aldeia-Beberibe e concentra nascentes que abastecem o principal reservatório de água do Recife, além de um dos raros remanescentes de mata atlântica do estado.

Segundo o Fórum Socioambiental de Aldeia, trata-se do maior bloco do bioma ao norte do rio São Francisco.

Uma lei complementar de 2011 determina que empreendimentos militares para preparo e emprego das Forças Armadas estão isentos de licenciamento ambiental.

Para impedir que a APA seja afetada, ativistas acionaram o Ministério Público Federal e têm tido suporte do deputado federal Túlio Gadêlha (Rede), do mesmo partido da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de quem buscam apoio.

O campo de instrução que abrigará a obra tem 7,4 mil hectares (mais de 46 parques do Ibirapuera), e o Exército alega que a escola ocupará no máximo 2% da área, e que a porção a ser desmatada será ainda menor.

Informa que cumprirá as legislações ambientais estadual e federal, que as nascentes não serão afetadas e que fará compensação com replantio maior do que a área a ser derrubada. Lembra ainda que, nos anos 1940, a área era tomada por canaviais, e passou a ser regenerada quando, naquela década, passou às mãos do Exército.

O presidente do Fórum Socioambiental de Aldeia, Herbert Tejo, reconhece que a ocupação militar foi crucial para a preservação, mas provoca: “É como uma família que adota uma criança, cuida, recupera e, quando a criança está forte e saudável, resolve traficar um órgão dela”.

Tejo reclama que a área a ser desmatada para a obra é o coração da mata preservada, e diz que há, na imensidão do campo de instrução, outros locais adequados ao projeto já desmatados.

A controvérsia ouriçou os tricordianos —como são chamados os que nascem em Três Corações.

Em janeiro, o prefeito de Três Corações, José Roberto de Paiva Gomes, o Gordo Dentista (PSD), publicou um vídeo para anunciar a “notícia maravilhosa” —na verdade, falsa— de que havia “90% de chances” de a ESA não sair de Três Corações, pois a futura sede “está interditada pelo meio ambiente”.

A nova Escola de Sargentos do Exército vai unificar em um só complexo 16 organizações militares envolvidas nos dois anos da formação de sargentos, que ao final recebem um diploma técnico.

O primeiro ano é realizado em quartéis espalhados pelo país; no segundo, o militar se especializa em armas e serviços, nas unidades de Três Corações (armas), Rio de Janeiro (logística) e Taubaté (mecânica de aviação).

Além da escola em si (com pavilhões, parque de cursos, estande de tiros etc.), o projeto do complexo prevê a construção de vila olímpica, vilas residenciais militares e anexos —estrutura que, segundo os autores do projeto, ajudará a movimentar a economia de oito municípios: Abreu e Lima, Araçoiaba, Paudalho, Tracunhaém, Igarassu, Camaragibe, São Lourenço da Mata e Carpina.

Para o Exército, apesar das incertezas, a nova escola parece irreversível. “É uma decisão madura e técnica, não é uma decisão política. Diria que pode ter tido também um caráter geopolítico, por desconcentrar unidades do centro-sul do país, algo em que sempre pensamos”, afirma o general Richard.

“O Exército teve muita grandeza em descentralizar essa agenda de oportunidades concentrada no Sul”, afaga Múcio. Segundo ele, a escola em Pernambuco não está garantida porque “não há nada 100% garantido quando a arbitragem é política”.

Múcio, no entanto, nem cogita um plano B: “Não quero, como pernambucano, nem pensar nisso.” O deputado Coutinho vai na mesma toada, evocando. “Um presidente pernambucano perder isso seria uma desmoralização. Não tem possibilidade de isso acontecer.”

FABIO VICTOR / Folhapress

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